O Governo de Pedro Sánchez não para de somar desaires que o deixam cada vez mais frágil. Desde que conseguiu aprovar a sua investidura no Congresso dos Deputados, ficando refém de pequenos partidos separatistas catalães e bascos, que vários casos de corrupção no seu círculo íntimo têm sido descobertos. Também tem sido um presidente do Governo incapaz de aprovar um orçamento há sensivelmente três anos, com a gestão a duodécimos a ser o novo normal nos últimos tempos. Mas, além da instabilidade interna, importa também notar a abordagem do chefe do executivo socialista à política externa. E os próprios timings dessas abordagens.
A mais recente é sobre o conflito israelo-palestiniano. Sánchez tem condenado fortemente a conduta israelita em Gaza e afirma estar a fazer o melhor possível, tendo chegado a lamentar que «Espanha, como sabem, não tem bombas nucleares, nem porta-aviões, nem grandes reservas de petróleo. Só nós não podemos parar a ofensiva israelita. Mas isso não significa que não vamos parar de tentar. Porque há causas pelas quais vale a pena lutar, mesmo que não esteja nas nossas mãos ganhá-las». Neste sentido, Espanha anunciou a proibição de venda de armamento a Israel.
Eis que a abordagem do líder socialista gerou reações tanto de Telavive quanto do Hamas. O grupo terrorista que controla a Faixa de Gaza há cerca de duas décadas aplaudiu «a decisão do Governo de Espanha de proibir a exportação de armas para a ocupação israelita e de fechar os portos espanhóis às embarcações que transportam armas e sistemas militares [para Israel]». O Hamas disse ainda que se trata de um «passo político e moral importante». Ontem, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu respondeu aos lamentos de Pedro Sánchez de não possuir um arsenal nuclear para travar Israel, atirando que se trata «de uma ameaça genocida flagrante contra o único Estado judeu do mundo». «Aparentemente, a Inquisição espanhola, a expulsão dos judeus de Espanha e o assassínio sistemático em massa de judeus no Holocausto não são suficientes para Sánchez. É incrível», concluiu Netanyahu.
Diplomacia como ferramenta interna
Mas serão mesmo estas declarações de Sánchez uma preocupação real com o povo palestiniano, ou será (mais) uma utilização da política externa para retirar o foco de problemas internos? Ao Nascer do SOL, o jurista Gonçalo Dorotea Cevada, que viveu vários em anos em Madrid, diz que «Sánchez não fez nada de novo». «Em maio de 2023, durante a campanha para as eleições regionais e municipais espanholas, já o PSOE estava em queda nas sondagens, e Sánchez usou-se da política externa – na altura chamando fascista a Meloni – para fazer combate político doméstico». «Um ano depois», acrescenta o jurista, «em maio de 2024, socorreu-se da mesma técnica – desta vez com Milei – para reforçar a sua posição interna num momento de fragilidade política e pessoal. Lembremo-nos que na altura Sánchez estava sob forte pressão por suspeitas de corrupção envolvendo a sua mulher, Begoña Gómez». «Ora», conclui Gonçalo Dorotea Cevada, «sempre que Sánchez está em apuros usa a ‘diplomacia’ para controlar a narrativa doméstica. Desta vez foi Israel».
As suspeições quanto à utilização da política externa enquanto ferramenta de controlo da narrativa interna neste caso recente prendem-se com o facto de Sánchez defender o reconhecimento do Estado da Palestino «desde 2015». «Ora, porquê agora? Para maquilhar a sua mais do que evidente fragilidade interna – casos de corrupção na sua família, no seu Governo e no seu partido, um Procurador-Geral formalmente acusado e prestes a ser julgado pelo Supremo Tribunal por divulgação de segredos de uma adversária política de Sánchez, um Governo sem um Orçamento aprovado desde 2022, etc. – e polarizar ainda mais».
Ao mesmo tempo, como se lê numa manchete recente do diário espanhol El País, «o Vox dispara até ao seu máximo às custas de um PP retrocesso». Ainda assim, e de acordo com essa sondagem, os populares mantêm a liderança, com 30,7% das intenções de voto, enquanto o PSOE se fica pelos 27,7%. O Vox vem em terceiro com 17,4%, com uma subida substancial nos últimos meses.
Assim, parece ficar claro que os comentários sobre política externa de Sánchez são, mais que uma declaração de intenções diplomáticas, que não deixam de o ser, um mecanismo encontrado pelo líder do Governo para tentar controlar as dinâmicas da política interna que, ultimamente, não estão a seu favor.