A polarização não é um fenómeno novo. Mas tampouco é um fenómeno que existe num vácuo. Por isto, uma relação causal entre a constante desumanização dos que cometem o grave crime de pensar diferente e a violência política não é de descartar. Aliás, o assassinato de Charlie Kirk, principalmente agora que as motivações do assassino já são conhecidas, é uma prova clara disso mesmo. Se somos levados a acreditar que o outro é um obstáculo no caminho glorioso para a construção de uma sociedade ideal, a violência acabará inevitavelmente por se impor ao debate. Por outras palavras, se o outro é visto como uma ameaça existencial e não como um ser humano, a violência passa a ser legítima. E porque as palavras e os conceitos não são inócuos, rotular alguém que não partilhe do idealismo progressista como de extrema-direita, fascista e nazi tem consequências. E elas estão à vista.
Vejamos o que nos dizem os dados recentes relativos à violência política nos Estados Unidos. Uma sondagem da YouGov publicada no passado dia 11 de setembro, um dia após Kirk ter sido baleado em Utah, mostra um claro desequilíbrio. Quando questionados se é aceitável ou inaceitável ficar feliz com a morte de uma figura pública a quem se opõem, 24% dos inquiridos que se consideram ‘muito liberais’ responderam que é «sempre ou geralmente aceitável». Apenas 3% dos que se consideram ‘muito conservadores’ responderam da mesma forma. Impactante? Ainda há mais. À questão «[c]onsidera que alguma vez se justifica que os cidadãos recorram à violência para atingir objetivos políticos?», 25 por cento dos ‘muito liberais’ respondeu que sim. Apenas 3 por cento dos ‘muito conservadores’ respondeu afirmativamente. E quando estes números se desconstroem para além da inclinação ideológica, ainda há mais razões para alarme: são os jovens que compõem a maioria do grupo de pessoas que considera a violência política.
É precisamente aqui que entram as universidades. Correndo o risco de incorrer numa generalização injusta, parece-me evidente que a maioria dos estabelecimentos de ensino superior mais prestigiados do Ocidente – instituições responsáveis por preservar e transmitir o legado civilizacional conquistado e aprofundado ao longo de gerações – atravessa um processo de degeneração acelerado. Neste caso específico, vejamos a Universidade de Oxford. No início do século XIX, um grupo de alunos, «[c]ansados da restrição da sua liberdade de expressão», fundou a Oxford Union Society. Ao longo destes duzentos anos, debates extremamente interessantes e esclarecedores decorreram nos salões da universidade e a Oxford Union tornou-se um marco de elevação e de troca de argumentos sofisticada. Eis que o novo presidente eleito, que debateu Charlie Kirk no passado mês de maio, reagiu ao assassinato com um regozijo nada menos que repugnante. É, portanto, para alguém que se considere defensor da liberdade de expressão, difícil, senão impossível, conceber que o presidente de uma sociedade de debate como esta seja um indivíduo que festeja a morte de alguém, principalmente a morte de uma pessoa cuja vida passava precisamente por isso – debater livremente em universidades. Como aqui escrevi na edição de 18 de julho, a Universidade, em nome da busca incessante pela luz, está a transformar-se num espaço progressivamente colonizado pelo obscurantismo, onde a ideologia suplanta a verdade e onde «o debate sério, por vezes duro, cede passagem
a um clima irrespirável
de cancelamento e censura».
Quando assim é, estaremos sempre mais perto de legitimar a violência e, consequentemente, de deixar em ruínas conceitos fundacionais das sociedades liberais: a civilidade, a moralidade e, claro, a decência. É numa sociedade onde a barbárie e o relativismo moral se superiorizam à civilização que queremos viver e que queremos deixar às próximas gerações?