Foi há já muitos anos – talvez umas duas décadas – que vi numa exposição de arte contemporânea em Londres uma peça que me intrigou. Protegidas por uma vitrina, estavam umas pequenas aparas em forma de meia-lua, com uma legenda que indicava: ‘As unhas de Rasputine’. Teriam pertencido mesmo ao monge louco e conselheiro dos Romanov? Como se tratava de uma exposição de arte contemporânea fiquei na dúvida. Em todo o caso, aquela estranha peça provocou-me uma forte impressão – e talvez tenha sido em parte por causa dela que li, uns anos mais tarde, a biografia de Rasputine assinada por Henri Troyat.
Voltei a lembrar-se dessa exposição há dias. Ao abrir um pequeno livro intitulado Histoire des Magies (História das Magias, L’Encyclopédie Planète), de Kurt Seligmann, chamou-me a atenção o título ‘A magia dos cabelos e das unhas’.
Mas antes de passarmos ao assunto em questão, façamos uma breve incursão na biografia do autor deste livro. Nascido em Basileia no ano de 1900, Seligmann foi um pintor surrealista com uma vida interessantíssima. Estudou Belas-Artes em Genebra e em Florença, antes de partir para Paris. Aí, gravitou no grupo dos surrealistas – o tipo de pintura que ele professava –, até o seu líder, André Breton, o expulsar, depois de uma discussão acalorada em que Seligmann acusou Breton de saber pouco sobre o tarot.
Com o eclodir da Segunda Guerra Mundial, Seligmann e a mulher mudaram-se para os Estados Unidos da América e acabaram por comprar uma enorme quinta a norte de Nova Iorque. O artista transformou o celeiro no seu ateliê, onde trabalhava nas suas gravuras e guardava a sua coleção de livros raros sobre magia e ocultismo. Seria nessa mesma quinta que viria a falecer:_estava a disparar contra os ratos que por ali andavam quando escorregou no gelo e disparou contra a própria cabeça. Um acidente surrealista ou uma história arrevesada para esconder um suicídio intencional?
Regressemos ao nosso livro. Os preceitos relativos às unhas e aos cabelos remontam ao zoroastrismo (século V) e aparecem no Vendidad. «É por isso, Zaratustra!, que sempre que penteares o cabelo, rapares ou cortares as unhas aqui na terra, os levarás a dez passos do crente, a vinte passos do fogo, a trinta passos da água e a cinquenta passos dos feixes consagrados de Baresma (ramos sagrados)», incita o livro sagrado do zoroastrismo. E_continua: «De seguida, cavarás um buraco, com dez dedos de profundidade se a terra for dura, e doze se for macia; colocarás o teu cabelo nele e dirás em voz alta estas palavras para atingir o demónio: ‘Na sua misericórdia, Mazda fez crescer as plantas’. […] Para as unhas, cavarás um buraco fora da casa, tão fundo como a última falange do dedo mindinho…».
Estas superstições perduraram no tempo. No século XVI, Paracelso, um pioneiro da química e da medicina, escrevia que «as bruxas dão a Satanás os seus cabelos como garantia do contrato que fazem com ele. Mas o Maligno não desperdiça esses cabelos; corta-os muito finamente e mistura-os com o hálito do qual formará granizo; e é assim que normalmente descobrimos pequenos fios de cabelo no coração das pedras de granizo». Ora aí está uma explicação interessante! E, já no século XX, os admiradores de Rasputine que iam em busca de curas e milagres, cobiçavam as suas unhas como se de relíquias de um santo se tratasse. Muito embora, como disse uma testemunha, estas andassem sempre roídas e muito negras de sujidade.