Anjo Educador

Uma vez a minha avó ensinou-me que algumas fêmeas fingem estar mortas como forma de evitar o acasalamento com machos indesejados. Algo comum em algumas espécies de sapo, como forma de defesa.

Querida avó,

O uso de telemóveis com acesso à internet está proibido até ao final do ensino básico. Os aparelhos sem acesso à internet continuarão permitidos para os alunos comunicarem com os seus familiares. Parece-me lindamente.

Creio que já partilhei contigo que os meus avós eram analfabetos.

Quando comecei a aprender a ler e a escrever, decidi que devia ensiná-los a ler e a escrever o próprio nome, pelo menos. Foi uma das maiores experiências da minha vida, de criança. Ainda hoje, sinto-me muito feliz por ter conseguido esse feito.

Enquanto caminhávamos juntos nessa aprendizagem, refletia bastante em como eram diferentes os tempos de antigamente. A escola era um privilégio para poucos. Muitos tinham de trabalhar cedo, e os estudos nem sequer faziam parte dos planos.

Quando os ensinei, usei situações simples: ler uma placa na rua, escrever o nome num bilhete, contar o troco na feira. Foi assim que perceberam que aprender pode ser leve, útil e até divertido.

O que me deixava mais orgulhoso era ver o brilho nos olhos cada vez que conseguiam assinar um documento sozinhos ou quando sabiam exatamente quanto deviam receber de troco, na mercearia da D. Capitolina. Isso prova que nunca é tarde para aprender!

Ainda hoje me sinto grato por me terem ensinado tanto sobre a vida e por confiarem em mim para os guiar nesse caminho da leitura e da escrita. Diziam: «És um anjo!».

Perto da casa dos meus avós existia um charco com sapos.

Uma vez a minha avó ensinou-me que algumas fêmeas fingem estar mortas como forma de evitar o acasalamento com machos indesejados. Algo comum em algumas espécies de sapo, como forma de defesa.

Ainda hoje me pergunto se esse ensinamento era mesmo sobre os sapos, ou se tinha outra leitura.

Mais do que letras e números, o que aprendemos juntos foi que a educação é uma troca de amor entre gerações.

Tal como hoje acontece entre nós.

Bjs

Querido neto,

A minha avó Ana nunca foi à escola, como então acontecia a muitas raparigas: os homens ganhavam o sustento, elas ficavam a cuidar da casa.

Um dia, passava ela já dos 70, no fim do jantar, disse:

– Apareceu-me um anjo esta noite (como quem diz, passa-me o café).

E, imperturbável, continuou:

– O anjo mandou-me aprender a ler.

Lembro-me de termos ficado todos em silêncio e de olhos esbugalhados a olhar para ela.

A avó Ana dizia apenas que nunca se deve desobedecer às ordens dos anjos.

E nunca mais falou no assunto: as mulheres nunca repetiam uma ordem ou um desejo, o que se dizia uma vez, dito ficava, para sempre.

Ela própria se encarregou de arranjar professora: chamou lá a casa a que já tinha ensinado os filhos e os netos.

A senhora começou também por ficar admirada, mas a avó Ana não admitia sequer a mais leve expressão de dúvida na cara dos outros: um anjo dera-lhe uma ordem e, na terra, não se desobedecia às mulheres, muito menos as que eram visitadas por anjos. 

Se o anjo voltou a interferir na vida da avó Ana, ninguém sabe. Mas a avó Ana aprendeu e ler e a escrever corretamente em menos de um mês.

– Foi o anjo, repetia.

Dizem que desde essa altura um anjo passou a velar pelas mulheres da nossa família.

Entre a comunidade celestial devemos gozar da fama de sermos muito obedientes.

Hoje é tudo tão diferente de antigamente.

Quando era criança, grande parte das outras crianças faziam trabalhos pesadíssimos. Muita coisa mudou, felizmente. Ainda assim, se uma criança pode usar telemóvel, tablets, videojogos e afins… também, pode aprender a usar uma vassoura, a por uma mesa, a lavar uma loiça, a arrumar um quarto… Mais tarde vai ser necessário, com certeza!

Os teus avós podiam ser analfabetos, mas eram muito sábios!

Não vais sem resposta! Adoro o cartaz do PAN que está junto ao Campo Pequeno, em Lisboa, que diz: «Touradas só na cama. E com consentimento!», claro.

Bjs