Não se verificam nulidades nem ilegalidades graves nos atos praticados pela Câmara Municipal de Espinho no caso Vórtex, o que contraria as posições assumidas pelo Ministério Público no processo judicial que ainda está em curso, defende a professora Dulce Lopes, da Faculdade de Direito de Coimbra, em dois pareceres juntos aos autos pela defesa do arguido Francisco Pessegueiro.
Num parecer sobre a operação urbanística designada ‘32 Nascente’, em Espinho, chamada a analisar «se os vícios de natureza urbanística imputados […] espelham o que deve ser a adequada interpretação e aplicação do Direito à presente situação», Dulce Lopes defende que as irregularidades apontadas não têm suporte jurídico suficiente.
Um dos principais pontos de discordância diz respeito ao parecer das Infraestruturas de Portugal (IP). O MP entende que, por o projeto licenciado em 2022 ser diferente do inicialmente apreciado, o parecer anterior (de 2021) seria inaproveitável.
Dulce Lopes discorda: «Não é qualquer modificação ao projeto que implica que sejam pedidos novos pareceres. Apenas nos casos em que tais alterações tenham impacto potencialmente negativo nos interesses específicos a salvaguardar pelas entidades externas […] é que se justificará a solicitação de novo parecer». No caso concreto, conclui: «Não é pelo facto de a implantação das edificações se ter alterado […] que teria de ser necessariamente solicitado novo parecer às Infraestruturas de Portugal». A professora sublinha ainda que «fundar uma situação de nulidade […] em considerações amplas às quais falta uma clara imputação e comprovação das concretas ilegalidades em que o ato incorre, não pode ser aceite nem no âmbito judicial, nem no âmbito administrativo».
Outro ponto analisado por Dulce Lopes é a aprovação do projeto de arquitetura com condições como a eliminação de um piso (no caso, o sexto piso). O Ministério Público considerou que a imposição de condições tornaria o ato nulo. Já para a professora da Universidade de Coimbra, a tese do MP não colhe, uma vez que se trata de uma «prática generalizada (neste e noutros municípios) o condicionamento da aprovação dos projetos de arquitetura, de modo a que tais condições viessem a ser satisfeitas até ao momento do licenciamento do processo».
E Dulce Lopes acrescenta que tal prática «não infringe diretamente o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação», uma vez que o Código do Procedimento Administrativo (CPA) prevê expressamente a possibilidade de cláusulas condicionais (artigo 149.º).
Por isso, conclui: «Não vemos que haja aqui qualquer nulidade do ato praticado, uma vez que o seu conteúdo é legalmente possível e legítimo».
Na parte final do parecer, Dulce Lopes comenta ainda a relação entre o processo judicial e o procedimento administrativo.
Sublinha que as decisões do Ministério Público e as da autarquia não são vasos comunicantes e que o município deve manter autonomia na sua apreciação: «O Ministério Público […] não deverá assumir o papel de Administração ativa […]. A sua intervenção […] é de controlo e, por isso, o que se pede é que desempenhe uma função posterior, que censure a conduta municipal quando ela seja comprovada e inequivocamente antijurídica».
A professora acrescenta que também a Câmara não deve limitar-se a reproduzir as conclusões do Ministério Público: «O Ofício n.º 1683/24 não se poderá bastar com a repetição dos argumentos aduzidos pelo Ministério Público […]. Terá, isso sim, de produzir juízos próprios sobre a ilegalidade da sua intervenção».
32 Poente, Lar Hércules e Sky Bar com decisões legais
No segundo parecer, que diz respeito aos projetos urbanísticos ’32 Poente’, ‘Lar Hércules’ e ‘Sky Bay’, a professora entende que as decisões da Câmara de Espinho foram legais e conformes ao Plano Diretor Municipal, contrariando as alegações do Ministério Público, que apontava nulidades e irregularidades urbanísticas.
No caso do ‘32 Poente’, Dulce Lopes entende que o cálculo da altura da fachada, limitada a 14 metros, foi efetuado de acordo com os critérios previstos na lei, uma vez que o Plano Diretor Municipal não define esse conceito e deve seguir os decretos regulamentares nacionais aplicáveis. Considera ainda que a tramitação do processo foi regular e que a decisão «não foi desproporcionalmente rápida», embora reconheça que o início da obra antes da licença merece censura ao promotor e ao município.
Quanto ao ‘Lar Hércules’, Dulce Lopes conclui que não houve erro na determinação da altura nem violação das regras sobre pisos recuados ou alinhamento com edifícios vizinhos.
No parecer junto aos autos sublinha que as normas de preservação arquitetónica permitem obras de alteração e ampliação, incluindo demolições parciais, e que a avaliação dessas soluções cabe à discricionariedade técnica da autarquia.
Já no que diz respeito ao ‘Sky Bay’, o parecer assinala que os pedidos de licenciamento foram indeferidos pela Câmara com fundamento legal, nomeadamente devido a parecer desfavorável da Agência Portuguesa do Ambiente, e que não se verificou qualquer infração urbanística.
O parecer conclui que as decisões municipais analisadas foram juridicamente fundamentadas e compatíveis com o enquadramento urbanístico aplicável, não subsistindo as nulidades apontadas pelos representantes do Ministério Público.
De referir ainda que as conversas e reuniões havidas entre empresários e representantes das autarquias são normais neste tipo de processos quando se trata de procurar encontrar uma solução para os problemas que é normal surgirem.
O que está em causa
Estes dois pareceres foram juntos aos autose são consultáveis no processo da Operação Vórtex, uma investigação sobre alegados casos de corrupção e tráfico de influências na Câmara Municipal de Espinho ligados a licenciamentos urbanísticos.
Em janeiro de 2023, foram detidos o então presidente da Câmara, Miguel Reis, um funcionário e três empresários.
O caso envolve suspeitas de pagamentos ilegais para aprovar projetos imobiliários e turísticos.
O julgamento começou em setembro de 2024 e está ainda a decorrer.
A génese da Operação Vórtex – e o subsequente julgamento – assenta sobretudo numa tese central do Ministério Público: a existência de uma rede de corrupção urbanística, com ligações entre autarcas, empresários e técnicos municipais.