Francisco Pinto Balsemão foi o meu primeiro patrão e, como tal, é natural que prefira realçar as coisas positivas em detrimento das negativas, e não é que não as tenha havido. Entrei em 1985 no Expresso para trabalhar um mês como estafeta, no departamento comercial, estava sem dinheiro e precisava de arranjar alguns contos para ir passar férias, mas tinha um handicap considerável: não andava de moto. A diretora dos Recursos Humanos, a Isabel Morgado, achou que não havia problema e eu era o único que só andava de transportes públicos ou… de táxi, basicamente para ir buscar cheques às agências de publicidade. Ao fim de 15 dias, a Isabel convidou-me para fazer umas horas extra, e então fiquei a ajudá-la a ‘tratar’ dos recibos de vencimento, que consistia em colar um selo fiscal na folha de vencimento para o empregado depois assinar por cima. ‘Vivíamos’ no segundo andar da Duque de Palmela, no número 37, e o gabinete de Balsemão ficava no mesmo piso. Um dia entrou e viu-me a fazer esse papel e não achou muita graça, pois eu tinha acesso ao que todos ganhavam, inclusivamente o seu próprio ordenado. Foi o primeiro encontro com o patrão.
Um ano depois, voltaria, já para a redação, e fui passando de estafeta a secretário de redação, agenda, jornalista, sub-editor, editor e, já agora, o primeiro da revista Única, acabando por acumular com a direção do Blitz. Durante os cerca de 20 anos que trabalhei no jornal, cruzei-me várias vezes com Francisco Pinto Balsemão, nas instalações do jornal, bem como fora. Recordo-me que chegou a lamentar-se ao José António Saraiva por eu não o ir cumprimentar nas festas do Champanhe, no T-Clube, na Quinta do Lago, mas eu não o fazia apenas por vergonha e por não gostar de beija-mão. Não me recordo do ano da década de 90, mas sei que tivemos um dos primeiros ‘confrontos’, que não foi nada agradável. O Joaquim Vieira estava à frente do primeiro caderno e o José António Saraiva – que saudades – tinha ido provisoriamente para a Revista. Um belo dia, o Joaquim pediu que se fizesse uma notícia sobre a situação da SIC, e vários jornalistas ouviram algumas pessoas para a feitura do artigo. O Zé António Saraiva tinha dado a versão de Balsemão, mas o Joaquim avançou com a manchete ‘Rangel na corda bamba’, falando-se que o dono do grupo teria contactado José Eduardo Moniz para substituir Rangel. Na altura, o Expresso saía ao sábado e só voltámos à redação, que ficava no terceiro andar, na segunda-feira. Por ironia do destino, à hora do almoço, optei por descer as escadas a pé, tendo-me cruzado com o patrão no segundo andar. «Ó Rainho, eu sou algum palhaço? Vocês fazem uma notícia contra mim e não me ouvem?». Eu que tinha sido um ‘ator’ perfeitamente secundário na história, fiquei caladinho e só queria que o rés do chão chegasse rapidamente.
Tenho algumas histórias pessoais muito engraçadas com Balsemão, nomeadamente em festas e em lançamentos de livros, a melhor talvez tenha sido um encontro de quadros do grupo Impresa, em Albufeira, quando chegámos à discoteca ao mesmo tempo – eu conhecia muito bem a rapariga que estava a fazer de porteira naquela noite especial para o grupo…
Balsemão tinha uma voz, pelo menos eu achava assim, poderosa: «Ó Rainho, venha comigo dar uma volta pela festa e diga-me o que acha», dizia-me. E eu dizia…
Recordo-me também que quando o Expresso passou do caderno Viva para Vidas, o editor de então disse-me que a crónica Noites Vagas, que eu escrevia há bastante tempo, já não fazia sentido. Quando saiu a primeira edição, sem a crónica, o editor, de quem muito gostava e gosto, apesar de não o ver há anos, chegou-se ao pé de mim e disse-me: «Vítor, tens de voltar a escrever a crónica das Noites Vagas». Porquê, perguntei-lhe. «Porque o dr. Balsemão quer». Fiz-lhe a vontade com um enorme prazer, ainda por cima eu era o único jornalista da casa que era pago para ir beber copos e escrever sobre as tendências de então.
P. S. Há uma história que revela muito, desculpem a franqueza, o Zé António Saraiva, bem como Balsemão. No tempo em que era secretário de redação, e que só havia telefones fixos, atendi uma chamada, a Lucília, a secretária do diretor, devia estar noutro sítio, e alguém queria falar com o Zé António. Falei com o diretor, que me perguntou qual era o assunto, ao que lhe expliquei que era um tema que estava na primeira página. «Pergunte-lhe se quer falar com o jornalista que está a fazer o artigo». Expliquei que não e que do outro lado estava alguém que dizia ser muito amigo de Balsemão, e vim a constatar que era verdade, até nas festas do Champanhe. Resposta do Zé António: «se não quer falar com o jornalista, então que fale com o dr. Balsemão». Claro que a notícia não mudou uma vírgula.
P. S. 1. Quando saímos do Expresso, em 2006, para fazer o SOL, Balsemão não se portou nada bem, mas isso são histórias para outras núpcias. Foi, indiscutivelmente, o grande homem da comunicação social em Portugal, embora o final não tenha sido o melhor. E publicou um livro de memórias onde fez ajustes de contas, muitos deles, injustos, com quem foi fundamental para o êxito dos seus sucessos, como José António Saraiva e Vicente Jorge Silva, no Expresso, ou até Emídio Rangel na SIC.