As recentes eleições autárquicas conheceram apenas um partido vencedor, para além, obviamente, dos 308 candidatos eleitos presidentes de câmara, estes vencedores individuais, que foi o PSD que, sozinho ou em coligações, conquistou a maioria das autarquias e logrou vencer nos cinco concelhos mais populosos.
Todos os restantes partidos pertencem ao grupo dos perdedores, se bem que alguns com resultados bem mais desanimadores do que os restantes.
Logo na noite eleitoral, e depois nos dias subsequentes, os habituais comentadores da nossa praça, secundados por parte da classe política que diariamente nos agride com a diarreia verbal que a caracteriza, procuraram fazer uma leitura dos resultados deste acto eleitoral em comparação com os registados nas últimas legislativas.
A intenção foi bem clara, a de desvalorizar a fraca prestação do PS, sem dúvida o grande derrotado da noite, tentando fazer-nos crer de que estávamos perante a recuperação daquele partido junto do eleitorado que lhe fugira no passado recente, e a de subvalorizar os resultados obtidos pelo Chega, apontando-se-lhe uma pesada derrota e decretando-se o início de um processo de decadência eleitoral.
Nada mais errado, porque se tratam de dois actos eleitorais bem distintos um do outro.
Num, escolhe-se quem vai governar o País: é um voto ideológico, confiando-se essa tarefa em pessoas com quem não se tem qualquer tipo de contacto próximo.
Noutro, vota-se em quem vai dirigir os destinos do concelho ou da freguesia: é um voto personalizado, direccionado numa pessoa concreta que se conhece de perto.
Sendo assim, não é de admirar que, por exemplo, um eleitor, num curto espaço de tempo, tenha votado no Chega para as legislativas e agora, para a sua autarquia, tenha decidido depositar a sua confiança num candidato do PCP.
Para os municípios de menor dimensão, regra geral vota-se naqueles com quem se priva de perto e cujo trabalho local é reconhecido como meritório, e não nas suas ideias políticas.
Por esta razão, qualquer comparação sobre as escolhas dos portugueses no mais recente sufrágio eleitoral terá de ser, forçosamente, estudada tendo em conta as eleições autárquicas de 2021 e não as legislativas ocorridas no início do presente ano.
Tendo como base este princípio, o PS, ao contrário do vinculado por aqueles que quiseram branquear o seu desaire autárquico, sofreu uma pesada derrota, considerando que passou a dispor de menos de duas dezenas de presidências de câmaras em relação às que detinha, além de ter sido ultrapassado pelo PSD na associação nacional de municípios, cuja presidência cedeu a este partido.
Para agravar este cenário, as fortes apostas nas principais câmaras do País saíram goradas, perdendo o município de Sintra e deixando fugir vitória em que acreditava em Lisboa e no Porto.
É certo que saiu vitorioso em algumas capitais de distrito que estavam nas mãos do PSD, como Coimbra, Viseu, Bragança e Faro, mas tal fenómeno deveu-se, sem margem para dúvidas, na elevada percentagem de votos obtidos pelo Chega nesses concelhos.
A divisão entre os partidos à direita favoreceu o PS nessas localidades, bem como em muitas outras onde igualmente saiu vitorioso, mas, na grande maioria delas, terá que buscar acordos de governabilidade com a oposição social-democrata ou, em alternativa, socorrer-se dos vereadores eleitos pelo Chega, que serão os fiéis da balança em grande parte dos concelhos nos quais se verificou um empate de mandatos entre os dois maiores partidos autárquicos.
Estas eleições não representaram, portanto, uma recuperação dos socialistas junto dos portugueses, bem pelo contrário, vieram confirmar a sua acentuada perda de influência, cedendo ao Chega o estatuto de maior partido da oposição parlamentar e ao PSD a liderança dos municípios.
É o definhar de um partido que se afastou da sua matriz e enveredou por um radicalismo que até então estava entregue somente aos partidos de índole marxista, trotskista e leninista.
Sinal representativo das consequências gravosas para o PS desta deriva foi o verificado em Lisboa: uma candidata saída das franjas mais esquerdistas do partido e aliada a uma frente de esquerda radical, assustou os lisboetas, os quais optaram por oferecer aos partidos mais à direita uma maioria confortável.
Caso os socialistas estejam verdadeiramente interessados em retirar lições do erro cometido na capital, basta atentarem aos resultados alcançados pelo partido no Porto: um candidato moderado, a concorrer sozinho, bem longe da extrema-esquerda folclórica, apesar de derrotado, ficou a escassos dois mil votos do vencedor!
Cenário bem distinto do verificado em Lisboa.
Quanto ao Chega, um erro estratégico do seu líder, incompreensível atendendo ao seu reconhecido faro político, conduziu a que fosse catalogado pelos seus adversários e pela generalidade dos comentadores como o grande perdedor das eleições, devido ao facto de ter ficado bastante longe do objectivo a que se propôs, que era o de vencer em pelo menos trinta câmaras municipais.
Ventura colocou a fasquia demasiado alta, ao sonhar com um resultado que, manifestamente, seria quase impossível de alcançar, tendo em conta a ainda fraca implantação local do partido.
Bastava ter dito que a vitória numa autarquia e a eleição de numerosos vereadores seria já um êxito, considerando que a sua expressão autárquica, resultante do escrutínio de 2021, era praticamente inexpressiva, para que a leitura do desfecho eleitoral fosse completamente diferente.
Apesar de ter saído vencedor em somente três municípios, o Chega foi, indiscutivelmente, o partido que mais cresceu no meio autárquico, pelo que considerar-se como bastante fraca a prestação alcançada não passa de um inequívoco acto de má-fé e de desonestidade mental.
Para um partido que estava praticamente afastado dos órgãos locais de decisão e agora elegeu dois milhares de militantes para as câmaras municipais, juntas de freguesia e respectivas assembleias, naturalmente que é legítimo que reivindique satisfação pelo desenlace da refrega eleitoral em que se envolveu.
Além de mais, muitos dos seus vereadores desempenharão um papel decisivo em dezenas de autarquias, nomeadamente nas mais importantes do País, pelo facto de deles depender uma maioria efectiva.
Toda a esquerda libertária foi copiosamente derrotada nas urnas, consagrando-se a irrelevância a que está votada no poder local.
O Livre elegeu um presidente de câmara, mas em coligação com o PS, e o BE desapareceu por completo do mapa autárquico, revelando-se, desse modo, uma aposta desastrosa o passeio marítimo a que se prestou a sua líder em vésperas de eleições.
No seio da esquerda, apenas o PCP poderá ter alguns motivos para sorrir, porque ainda não foi desta que foi relegado para a insignificância municipal. No entanto, perdeu várias das câmaras que possuía, nomeadamente as duas capitais de distrito que lhe restavam, revés que indicia uma morte anunciada a curto prazo.