Um visionário com muito poder

Francisco Pinto Balsemão foi um dos homens com mais poder em Portugal nos últimos 60 anos. E usou-o. Para o bem, mas também para o mal.

Advogado, jornalista, fumador, bon vivant, empresário, empreendedor, professor, conferencista, político, Francisco Pinto Balsemão foi, sobretudo, um homem de poder. Em Portugal e além fronteiras. Provam-no tantas e tão elogiosas reações na hora da partida. Um visionário, sempre na vanguarda. Até ao fim.

Jovem deputado à Assembleia Nacional, partilhou com Francisco Sá Carneiro e outros notáveis parlamentares da Ala Liberal a ilusão de mudar o regime por dentro, aproveitando as promessas marcelistas, de Caetano.

Como Marcelo Rebelo de Sousa sublinha na mensagem de pesar publicada no site da Presidência da República no momento imediatamente seguinte ao anúncio da sua morte, Balsemão deu contributos fundamentais para a Lei de Imprensa, Lei de Reunião, Lei de Associação e Lei da Liberdade Religiosa.

Desilude-se. E a 6 de janeiro de 1973 funda o Expresso, um jornal político, um projeto liberal, em nome de um modelo de sociedade e de economia que transformasse e impulsionasse o país. Pelo progresso e pela liberdade.

Meses depois, a 6 de maio, fundaria o PPD_com Francisco Sá Carneiro e Magalhães Mota.

Entre o Expresso e o partido, a sua ação cívica e política foi preponderante na transição para a democracia, sendo o natural sucessor de Sá Carneiro após Camarate.

Se os seus Governos, breves, foram uma desgraça em termos económicos, a verdade é que deu um importante contributo para a consolidação do regime democrático, com a revisão constitucional de 1982 e a extinção do Conselho de Revolução.

Não resistiu às conspirações internas no partido e na coligação, nem à situação de bancarrota a que acabou por conduzir o país, obrigando a um pedido de resgate ao Fundo Monetário Internacional (FMI) já pelo Governo de Bloco Central de Mário Soares e Mota Pinto.

Para Balsemão, foi o fim de uma carreira político-partidária ativa, ainda que sem nunca abdicar da sua esfera de influência, não só como militante número um do PSD, mas como homem de poder, com uma rede impressionante, nacional e internacional, nas várias áreas de intervenção política, económica, social, cultural.

O Expresso cresceu e tornou-se referência de leitura, fazedor de opinião, líder de mercado, determinante para decisores políticos e económicos.

O quarto poder. Personificado nele.

Que se cimentou no início dos anos 90, quando, com Cavaco Silva à frente do Governo e o PSD com maioria absoluta no Parlamento, realizou o sonho de conquistar uma das duas licenças de televisão privada em Portugal, pela qual se bateu como ninguém – acabando com o monopólio da RTP pública.

A primeira emissão da SIC foi para o ar no dia 6 de outubro de 1992 (tinha de ser num dia 6, superstição de Balsemão).

E assim construiu um verdadeiro império na comunicação social portuguesa, só comparável, ainda que com a devida escala de mercados, com os de outros magnatas de media mundiais, como Rupert Murdoch (News Corp) ou Sílvio Berlusconi (Mediaset), para não falar do seu amigo Roberto Marinho (Globo) ou de Jesus de Polanco (Prisa).

Balsemão privou com todos eles, mas as suas redes de influência internacionais tinham muito mais ramificações na Europa e na América. Daí, aliás, a presidência do exclusivo grupo de Bilderberg, que se destaca entre os muitos foros empresariais, políticos ou culturais em que era assíduo participante.

Nos últimos anos, promoveu também os Encontros de Cascais, antecipando tendências e respostas aos desafios do presente e de futuro.

Sabia ouvir. Uma das suas mais extraordinárias qualidades, certamente desenvolvida pela veia de jornalista, era concatenar as intervenções de palestrantes e conferencistas – com as mensagens principais, sempre objetivo, conciso, perspicaz.

Francisco Pinto Balsemão soube fazer uso de todo o poder que conquistou. Lá fora e cá dentro. O lugar de conselheiro de Estado era, porventura, o de menores dividendos pessoais, mas, institucionalmente, nunca dele abdicou.

Como, até ao fim, sempre recusou renunciar à liderança do império de comunicação social que construiu e não olhou a meios para defender.

Nunca se conteve no combate à concorrência. Olhava apenas e só para os seus objetivos. Alguns dos quais, sem dúvida, nobres. Mas outros não, antes pelo contrário.

Balsemão foi um homem com visão e com muito poder. E usou-o. Para o bem e para o mal. E agarrou-se a ele. Teimosamente até ao fim. Até demasiado tarde. Só perdeu com isso. E perdemos todos.

mario.ramires@nascerdosol.pt