Quando falamos de animais domésticos é natural que o nosso pensamento fuja logo para o lugar comum dos cães, gatos, coelhos, papagaios, hamsters ou peixes… Habituamo-nos a associar animais de companhia a sentimentos de amor e segurança, combate à solidão, a diversão e a fofura. A verdade é que ultrapassa os cinco milhões o número de animais de estimação registados em Portugal, dos quais a grande maioria são cães, que atingem os três milhões. No entanto, parece que as pessoas têm cada vez mais interesse em animais “fora da caixa”. Apesar de não haver estatísticas oficiais exatas sobre o número de lares com animais como cobras, iguanas, dragões barbudos, geckos, tarântulas ou tartarugas no país, segundo criadores e vendedores, há cada vez mais portugueses que os têm em casa.
Cobras, Lagartos e Baratas
Em 2020, a jornalista Ana Daniela Soares lançou o livro Cobras, Lagartos e Baratas que aborda precisamente o crescente fenómeno da adoção de animais exóticos como bichos de estimação em Portugal. Publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) com o subtítulo Os Melhores Amigos do Homem?, o livro explora este universo surpreendente.
Segundo a autora, nesta altura, ter uma cobra já é «normal»: «Há malta que já tem baratas de estimação! São as baratas de Madagáscar, um bocadinho maiores do que as nossas baratas e emitem um silvo quando se sentem assustadas. Também há gente que tem formigas… Aliás, quando eu acabei de escrever o livro – eu que só tenho gatos e já tive cães e um coelho anão –, acabei por ficar com duas porquinhas da índia (já com quatro anos), porque um dos veterinários que trabalhava num espaço que eu visitei, foi para Espanha trabalhar e não tinha com quem as deixar. Pediu-me a mim! Além disso, acabei com uma colónia de formigas, porque outra das pessoas que eu entrevistei – Eduardo Sequeira –, foi tirar biologia só por causa das formigas. Agora montou um negócio à volta disso. Tem as formigas rainhas e as pessoas podem comprar a formiga e o formigueiro de acrílico. A partir do momento em que elas estão fertilizadas, começam a construir a colónia. Podem durar até 20 anos», começa por contar à VERSA Ana Daniela Soares.
A ideia de escrever o livro nasceu depois desta começar a ver, nas lojas de animais, cada vez mais bichos fora do comum. E quis perceber o que é que atraia as pessoas para adotarem este tipo de animais.
A autora chegou a algumas conclusões, mas não definitivas, «porque até ao momento da escrita do livro não havia estudos do ponto de vista psicológico que nos dessem pistas». «Aquilo que eu conclui é que as pessoas procuram ter um pouco de natureza em sua casa, porque ter um animal destes implica na maior parte das vezes ter um terrário com umas pedras, plantas», explica. Além disso, segundo a mesma, depois do investimento inicial, que pode ser elevado, os custos para manter estes animais não são grandes. Uma cobra, por exemplo, pode comer apenas uma vez por semana, portanto, são animais que também permitem que as pessoas vão de fim de semana e ficam bem sozinhos.
Os animais da LivePets
Salomé Basílio da Cruz, de 20 anos, trabalha com os pais na loja LivePets no número 3 da Rua do Mercado, em Algueirão-Mem Martins. A família sempre foi apaixonada por animais. O negócio começou com o patriarca da família e um grupo de amigos. No entanto, quando este quis alargar o «stock de animais» para exóticos, os colegas decidiram abandonar o projeto. «O negócio começou em 2016. Começámos numa loja online e, em 2022, surgiu a loja física», conta a jovem. Neste momento, a família pretende alargar a loja e abrir mais uma.
No espaço é possível encontrar roedores como coelhos, porcos da índia com e sem pelo, chinchilas, ratazanas domésticas, gerbos, petauros do açúcar e ouriços, mas também artrópodes e anfíbios.
Ao entrar na sala onde se encontram a maior parte dos animais, são as tartarugas que nos chamam a atenção. «Temos várias espécies, com vários tamanhos. Temos as tartarugas pardialis, as sulcatas, ali temos as russas que já estão em estado adulto e as carbonárias, as únicas que requerem mais humidade. Também temos ali uma tartaruga aldraba, a segunda maior que podemos ter em Portugal», aponta Salomé, acrescentando que as tartarugas comem verduras (courgette, pepino, couve, mirtilos, melancia) e têm estes espaços para ficarem separadas por tamanhos. O substrato serve para elas se manterem confortáveis e estas também precisam de aquecimento. Na parede, um grande aquário revela vários varanus, que fazem parte da coleção da família e, por sso, não estão à venda. «É a nossa paixão. Comem insetos, também precisam de aquecimento. São animais arborícolas, ou seja, gostam de andar no topo dos terrários. Na fauna gostam de andar no topo das árvores», detalha.
A sala está repleta de terrários iluminados. Alguns animais estão à vista, outros escondem-se como se não quisessem que nós os víssemos: iguanas que chegam a um metro de comprimento, camaleões do Iémen que comem insetos e bebem água através das plantas, cobras, geckos e dragões barbudos de várias espécies e portes e ainda as famosas rãs coloridas e venenosas que, segundo a jovem, têm chamado cada vez mais a atenção das pessoas.
Segundo Salomé, os preços variam muito consoante a procura dos animais, o tamanho e as cores. No que toca aos dragões barbudos, um de tamanho médio custa em média 60 euros. Os dragões barbudos maiores podem ir até aos 150. Uma píton regius (esta deve ter 50-60 cm) custa cerca de 300 euros. As mais pequenas, em média, são 200 ou 250 euros.
Relativamente à alimentação destes animais, «as pítons regius que crescem até 1 metro e 50, comem os ratos congelados», diz a proprietária enquanto abre o frigorífico e nos mostra o alimento. «O tamanho do rato tem de ser adaptado à cobra. Por exemplo, isto aqui é uma ratazana (as ratazanas conseguem atingir uns 5kg). Se for uma cobra com quatro meses temos de lhe dar uma ratazana bebé, se for uma cobra adulta tem de ser um rato maior como este», explica. De acordo com Salomé, existe muita gente a visitar a loja por curiosidade. No entanto, a família tem muitos clientes colecionadores.
Interrogada se os animais exóticos criam alguma relação afetiva com os donos, a jovem acredita que sim. «Estava a olhar para o tegu argentino… Ele cresce e é quase um cão. Fica com um metro e meio. Habitua-se a andar na rua (sendo que não é aconselhável). Anda atrás do dono, pede comida», diz sorrindo. E Ana Daniela Soares concorda: «Uma das senhoras com quem falei disse-me que a relação afetiva que tinha com a sua cobra era igual à que tinha com o seu cão. Que a cobra a reconhece, que quando a coloca nas mãos de outra pessoa, ela tenta ir para as suas mãos», revela.
A loja vende ainda tarântulas e escorpiões e, segundo Salomé, estes são os animais com os quais tem de se ter mais cuidado. «Temos poucos clientes para estes animais. As tarântulas comem grilos ou baratas. É preciso ter cuidado ao mexer. Elas libertam pelos e estes podem gerar comichões e alergias. Os escorpiões temos que ter cuidado nas pinças e no espigão. Contém veneno, mas não é perigoso para os humanos», alerta. Os preços das tarântulas variam entre os 80 e os 105 euros. Os escorpiões vão dos 35 aos 220.
O problema do tráfico
Segundo Ana Daniela Soares, uma parte importante do seu livro alerta para o tráfico de animais. Um problema gravíssimo e que está, normalmente, associado a outros tipos de crime como o tráfico de droga e o tráfico humano. «Este tipo de crime ligado à vida selvagem é extremamente lucrativo e destrói os ecossistemas de onde estes animais foram retirados, mas também podem destruir os ecossistemas dos países para onde estes são enviados. Um exemplo: todos nós vamos às lojas de animais e vemos aquelas pequenas tartaruguinhas que as pessoas gostam muito de oferecer às crianças… Normalmente esses animais – porque também faz parte da sua flora –, estão contaminados com salmonelas. Quantos as crianças as manipulam e depois não vão lavar as mãos podem ficar doentes. Há aqui questões de saúde pública que também é importante não esquecer. Essas tartarugas quando têm a sorte de sobreviver – porque também não são feitas para viver naquelas tartarugueiras normais que são vendidas nas lojas –, e se tornam grandes, por vezes torna-se difícil mantê-las em casa. Muitas vezes as pessoas vão deixá-las num lago perto de casa… O que é que acontece? Estes animais, à partida, não vão comer as tartarugas que lá estão, mas vão competir por alimento e por lugares ao sol. Portanto, as nossas espécies podem ficar prejudicadas quando introduzimos estes animais nestes ecossistemas», lamenta.
No livro encontramos entrevistas com especialistas, nomeadamente uma bióloga que se especializou em comportamento de animais. «Temos histórias de animais que foram resgatados de situações muito complicadas. Há uns anos o ICNF era chamado porque as pessoas tinham macacos na garagem. Animais que foram trazidos pequeninos e quando chegam a determinada altura da maturidade sexual, têm tendência a ter comportamentos agressivos. Portanto, chegava a essa altura e as pessoas não sabiam o que é que lhes haviam de fazer… Muitas vezes o mais comum era metê-los na garagem», denuncia. «O livro também esclarece sobre toda a parte do ponto de vista legal… Soube da história de uma senhora que tinha um elefante e o passeava nas ruas de Albufeira», revela.
Porque é que o animal pode ser apreendido? De acordo com a autora, «porque o seu tutor não tem a documentação necessária ou então porque não é permitido ter aquela espécie em Portugal». «Já aconteceu com leões… Também conto essa história no livro, através do biólogo João Loureiro. Havia uma pessoa que tinha dois leões em casa… Os vizinhos viram e chamaram o ICNF. Também foram chamados porque uma senhora um dia chegou de férias a casa e tinha uma cobra de sete metros na cama. Era a serpente do vizinho que tinha fugido e tinha ido ali instalar-se. A nossa legislação também diz, no caso das serpentes, até que tamanho é que as pessoas podem ter em casa… Uma cobra de sete metros é ilegal. Com as fronteiras abertas é muito fácil trazer este tipo de animais. Há animais que são permitidos ter em Espanha, mas são ilegais em Portugal», denuncia.
Uma grande paixão por répteis
Luís Ribeiro tem 23 anos e é programador. O seu gosto por animais começou muito cedo. «Desde que me conheço que sinto uma conexão com os animais, algo indescritível, como se fossemos quase iguais, daí ter tanto interesse em estudá-los no meu tempo livre», conta à VERSA.
«Adquiri um dragão barbudo em 2019. O processo até o ter foi complicado, pois os répteis são animais que não são muito bem vistos pelos humanos», confidencia. Queria uma serpente. Porém a ideia de ter ratos congelados no congelador não assentou muito bem na cabeça dos seus pais.
Segundo o jovem entendido no assunto, para um dragão barbudo sobreviver em cativeiro é necessário ter um terrário com cerca de 150 cm ou duas vezes e meio o seu tamanho; uma lâmpada de aquecimento num dos lados do terrário de maneira a que forme um Hot Spot ou um ponto de sol onde o dragão, quando necessita de se aquecer mais, possa estar tranquilamente; assim como um lado mais fresco exatamente para o contrário, arrefecer o corpo. «É necessário uma lâmpada UVB para simular a radiação do sol, pois estes animais dependem muito dessa radiação para digerir melhor a comida, trocar de pele e evitar parasitas», elucida.
Sobre a sua alimentação, o dragão barbudo é maioritariamente herbívoro, porém necessita de comer alguns insetos como fonte de proteína, como por exemplo baratas, tenébrios, gafanhotos ou zophobas. «Tem que haver também um cuidado com os insetos, pois os dragões barbudos absorvem tudo o que eles têm. Se ele comer um inseto doente, fica doente»,frisa.
Luís Ribeiro relata uma situação em que o seu animal ficou doente e não foi nada fácil. «Teve uns parasitas no estômago, provavelmente por alguma barata que comeu. Tive que lhe dar um desparasitante, porque ele já nem defecava. Provavelmente ficou doente pois eu comprava os insetos numa loja de animais. Ou seja, não tinha controlo do que os insetos comiam ou em que ambiente estavam a ser criados. Então, optei por fazer a minha própria criação de alimento vivo em casa. Hoje em dia tenho uma caixa com cerca de 200 baratas e vou-lhe dando três baratas, duas vezes por semana», admite.
O jovem lembra ainda que os répteis não falam nem emitem sons como os mamíferos, por isso «é necessário estar extremamente atento a mudanças de comportamento ou indícios de tentativa de brumação». «A brumação é uma espécie de hibernação onde basicamente os répteis reduzem o seu metabolismo de atividade em períodos de mais frio ou de doença. O comportamento deles fica mais ‘esquisito’, deixam de sair tanto da toca, deixam de se mexer ou trepar, deixam de ter apetite e é nesses momentos que o dono deve estar mais atento e tentar entender o que se passa», defende.
No futuro, Luís pretende adquirir uma píton bola que pode atingir 1 a 1,5 metros de comprimento. Até porque, agora, já mora sozinho. «As serpentes são o meu animal favorito. Gostaria imenso de ter uma. Esta espécie em específico tem um mecanismo de defesa muito engraçado de onde origina um dos nomes dela, pois em casos de se sentir ameaçada ou com medo, enrola-se numa bola e esconde a cabeça», remata.