MotoGP. Os deuses no sétimo céu

Valentino Rossi e Marc Márquez eram rápidos, corajosos e obstinados. A sua rivalidade colocou o MotoGP no centro das atenções durante nove épocas. Sentiam-se os donos da pista e, por isso, valia tudo para chegar ao sétimo título.

Pela sua natureza, o desporto motorizado origina grandes rivalidades, sendo a guerra entre Ayrton Senna e Alain Prost, na Fórmula 1, a mais intensa, longa e dramática de que há memória. Mais recentemente assistimos a uma rivalidade levada ao limite entre ‘Il Dottore’ Valentino Rossi e ‘El Diablo’ Marc Márquez, dois heptacampeões do Mundo na principal categoria do motociclismo. Essa luta fratricida reforçou a imagem do MotoGP como palco de duelos incríveis e influenciou gerações que procuram novos ídolos. Depois de cinco anos de travessia do deserto, Marc Márquez conquistou o sétimo título mundial em 2025 e recendeu a discussão do GOAT (Greatest Of All Time) no MotoGP, o mais curioso é que ninguém se lembra que Giacomo Agostini tem oito títulos!

Valentino Rossi Rossi começou a correr nos anos 90 e estreou-se na categoria principal (500 cc) em 2000 com a Honda. O ‘46’ – uma homenagem ao seu pai, que utilizava esse número quando era piloto – não só acumulou títulos, como criou uma imagem de ídolo global. O italiano trouxe para o MotoGP uma mistura de juventude e irreverência. Transformou as corridas num espetáculo cheio de carisma e criou uma ligação única com os adeptos. Conquistou o primeiro título em 2001, com 11 vitórias em 15 corridas. Foi o último ano da era 500 cc, no ano seguinte passaria a chamar-se MotoGP. O campeonato foi ganho na última volta, quando Rossi fez uma ultrapassagem arriscada que lhe deu a vitória na corrida e o título mundial por escassos 13 centésimos de segundo! Em 2004, entrou na história ao ser o primeiro a vencer dois títulos mundiais consecutivos com marcas diferentes. Abandonou as pistas em 2021, com 42 anos, mas ganhou um lugar no Hall da Fama da MotoGP, uma distinção atribuída às lendas do motociclismo. Venceu também por três vezes o prémio Laureus, que distingue os melhores desportistas a nível mundial.

Marc Márquez estreou-se no MotoGP em 2013 com a Honda e imediatamente ameaçou a ordem estabelecida por Valentino Rossi. Foi ao pódio na primeira corrida, no Qatar, ganhou a segunda, nos EUA, e foi campeão do mundo no final da primeira época com seis vitórias em 18 GP. Aos 20 anos, tornou-se o mais jovem campeão graças ao estilo agressivo e inovador, capaz de desafiar os limites físicos da moto. O seu domínio técnico e mentalidade ganhadora transformaram-no numa referência e as comparações com Valentino Rossi tornaram-se inevitáveis.

O ano de 2020 marcou profundamente a sua carreira e deram-no como acabado devido às constantes quedas e lesões. Teve um acidente na primeira corrida em Espanha, que causou uma lesão grave no braço direito, atingido pela moto. Após diversas cirurgias e uma longa recuperação, voltou às pistas em 2021, mas sentiu dificuldades físicas e teve desempenhos inconsistentes. As temporadas seguintes foram marcadas por lesões e pela perda de competitividade da Honda. Mesmo assim, continuou a ser um dos pilotos mais espetaculares e determinados, capaz de alcançar performances impressionantes.

O ano passado deixou a Honda – a sua equipa de sempre – para se juntar à Gresini. Em 2025, mudou-se para a equipa oficial da Ducati e dominou o campeonato com uma moto italiana, o que deixou os tiffosi de Valentino Rossi furiosos. A valentia de lutar contra as lesões e as cinco operações foram compensadas com o sétimo título mundial.

Só que o calvário não terminou. A queda no GP da Indonésia, uma semana depois de ser heptacampeão, provocou uma fratura e lesão nos ligamentos e teve de ser novamente operado ao ombro direito. É quase certa a sua ausência no Grande Prémio de Portugal (7 a 9 de novembro), que se realiza no Circuito de Portimão.

Valentino Rossi disputou 372 grandes prémios em MotoGP com a Honda, Yamaha e Ducati, e obteve 89 vitórias. Marc Márquez foi piloto da Honda e Ducati, alinhou em 206 corridas e venceu 73, estes números mostram que o espanhol tem 35% de triunfos, contra 24% do italiano. Outro dado interessante é ver quantas corridas foram necessárias para chegar ao sétimo título: Rossi precisou de 166 corridas e Márquez de 206. Ao longo da sua carreira, o italiano ganhou em 23 circuitos diferentes, enquanto que o espanhol venceu em 22 e está próximo de bater o recorde de Mick Doohan, que triunfou em 24 circuitos.

A diferença de idades (Valentino Rossi é mais velho 14 anos) fez com que vivessem épocas diferentes. O italiano enfrentou tecnologias em evolução, mudanças nas regras e uma lista maior de grandes rivais. A era de Márquez é marcada pela eletrónica e por períodos de domínio mais curtos.

Eterna rivalidade

Marc Márquez nasceu em 1993 e andou de moto, pela primeira vez, com quatro anos. Foi precisamente nessa altura que Valentino Rossi conquistou o seu primeiro título mundial na categoria 125 cc. Não admira que Rossi tivesse sido um ídolo para Márquez. A primeira vez que se cruzaram no paddock o miúdo espanhol quis tirar uma fotografia com o seu ídolo. Anos mais tarde, travaram batalhas ferozes, com ultrapassagens agressivas e muitos toques. A rivalidade passou para as bancadas. Sempre que um deles deslizava pela gravilha ouviam-se ruidosas manifestações de alegria dos adeptos rivais.

Em 2015, os dois pilotos travaram um duelo de arrepiar em quase todas as corridas, com manobras arriscadas, toques e provocações dentro e fora de pista. No GP dos Países Baixos houve momentos de alta tensão, mas o auge da rivalidade aconteceu na Malásia, com uma manobra polémica de Rossi, que causou a queda de Márquez, após 15 trocas de posição. O piloto italiano deu a sua versão: «Da forma com ele travou nunca iria fazer a curva. Quando voltei à minha trajetória acabámos por nos tocar e ele caiu». A federação internacional considerou que o italiano provocou o toque e penalizou-o com o último lugar da grelha na última corrida do ano, Espanha, algo que nunca tinha acontecido na MotoGP. Sem hipótese de lutar pela vitória, Rossi perdeu o título para Jorge Lorenzo, seu colega na Yamaha, por cinco pontos, e disparou sobre Márquez: «Decidiu fazer-me perder o Mundial em prol de outro piloto que nem era seu companheiro de equipa. Inventou desculpas, quando na realidade o que ele queria era destruir-me para ficar no meu lugar». E, num tom mais pesado, afirmou: «sempre foi bastante rude, muito agressivo, mas, em 2015, ultrapassou todos os limites. Ninguém foi tão sujo quanto ele». Ao que Márquez respondeu: «Ele deixou de ser o meu ídolo. Sempre me espelhei no Valentino, mas a rivalidade é o que te faz crescer».

O ambiente tenso tornou-se, irremediavelmente, numa guerra total a partir do GP da Argentina, em 2018. A pista estava molhada e havia apenas uma trajetória possível. Numa travagem para lá dos limites, os dois pilotos tocaram-se, Rossi foi ao chão e desistiu. O espanhol diria no final: «O que aconteceu com Valentino foi um erro causado pelas condições da pista». Ao que Rossi respondeu: «Márquez não tem qualquer respeito pelos adversários, ele está a destruir o nosso desporto. É perigoso, tenho medo quando estou em pista com ele. Se ele não tem respeito por mim, eu não tenho respeito por ele».