O espaço dos moderados contra a nova  moda da “incivilidade”

Temos de defender que apesar de qualquer algoritmo, valerá sempre a pena debater ideias, apresentar soluções e primar pela cultura e conhecimento

É unanime concordarmos todos no nosso país, quer quem gosta mais ou quem pouco liga a isso, que os debates de hoje se parecem mais com ringues de boxe do que com fóruns de ideias. Como recentemente vimos, nem são só os debates políticos porque até um debate para a presidência de um clube de futebol já rasga o aceitável ao meio. Em cada estação de rádio ou canal de televisão, a falta de respeito e os altos decibéis com que se fala ocupam o espaço que deveria pertencer às propostas dos candidatos. As redes sociais, todas elas cada uma à sua maneira, com os seus algoritmos criadores de “câmaras de eco”, expõem-nos quase exclusivamente àquilo em que já acreditamos e, num “outro mundo” neste mesmo mundo, ao contrário dos meios tradicionais, não seguem regras rigorosas de verificação de factos. Não me admira, portanto, e digamos que não admira mesmo nadinha, que a confiança nos meios de comunicação social tenha caído dez pontos em dez anos no nosso país: apenas 54 % dos portugueses dizem confiar nas notícias, um mínimo histórico desde que o Digital News Report existe com estes estudos, e onde os mais jovens são o grupo com menor nível de confiança.

Não obstante tudo isto, que de positivo pouco tem, a polarização política não é uma fantasia ou um conto da Disney. É o estado da arte em que vivemos. Estudos recentes que todos aqueles que gostam de ciência política acabam por ler, a bem ou mal, apontam para o mesmo caminho: Aquela estrada em que as manifestações de falta de civismo nas interações públicas estão a aumentar e que a disseminação deliberada de desinformação fragiliza o debate democrático.

Os algoritmos, ao reforçarem as convicções pré‑existentes, alimentam as clivagens e o aumento destes fossos de conversação/diálogo na sociedade só irá colocar mais longe o eleitor do eleito (seja ele qual for). O resultado que vivenciamos destas conclusões assustadoras que são comumente aceites, é um ambiente social em que o ruído se sobrepõe à substância e em que as vozes moderadas são eclipsadas por conteúdos mais extremos mas que ao mesmo tempo criam ou dão mais cliques/likes e mais receitas publicitárias até. É a nova sociedade digital onde ainda não sabemos ser reais.

Mas qual poderá ser o principal diagnóstico social deste ruído político?Não acredito que se trate de ignorar os afetos. Não podemos deixar de ser humanos. Todos apreciamos a humanidade das campanhas, os abraços e até das selfies que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa catapultou no dia-a-dia de campanhas eleitorais e na proximidade dos eleitores aos seus eleitos. A política precisa de afetos, sim. Os políticos precisam da parte humana, sim. A classe política não pode substituir a proximidade humana pelo afastamento digital.

O problema real “disto”, da parte afetuosa e de simpatia humana, aparece quando? Quando esses gestos se tornam substitutos de ideias. Quando em vez de passarmos a debater o que se ouve na rua, vivemos em abraços e fotografias sem sequer ouvir quem nos tenta abordar. Isto é errado. É um complemento ser-se humano, não é substituto do que cada humano que é candidato pensa. Pensar e falar é a prioridade. Depois a parte humana. De preferência: Ambas.

O recente ciclo eleitoral em Portugal, no campo das eleições Legislativas, deu-nos um parlamento mais fragmentado ainda. A tripartidarização da Assembleia torna os acordos mais plurais, o que não é negativo, mas diminui as probabilidades de aprovação regular e aumenta a possibilidade das coligações negativas para aprovar contra-propostas ao caminho do Governo de Luís Montenegro.

Sobre isto, podemos continuar a dizer que os partidos de extremos capturaram votantes insatisfeitos, na teoria, enquanto os partidos mais ao centro se viram ainda mais apertados por uma nova forma mais quizilenta de postura pública da extrema-direita e da extrema-esquerda (que perdeu muito mesmo assim).

Neste processo, a que se junta agora as Eleições Autárquicas e a campanha para as Presidenciais de 2026, apenas pouco mais de metade da população portuguesa diz confiar nas notícias que temos, e o consumo das redes sociais como fonte principal de informação aproxima‑se dos 63 %, sendo obvio que criamos as ditas “bolhas de informação de algoritmo” que amplificam emoções e indignações e dão força aos extremismos. Entre os jovens, 58 % já preferem notícias em vídeos curtos nas redes, onde os algoritmos visam premiar o que é chocante em detrimento da retidão. E sabemos bem que os meios de comunicação e as instituições não comunicam com relevância em vídeos curtos… Quem o faz? Pois é…

A polarização cresce porque é rentável.

Todos sabemos que é assim que o mercado funciona. De acordo com um relatório de uma grande consultora multinacional, os meios de comunicação enfrentam não só a pressão económica do mercado em que estão inseridos como a crise financeira do país e, com apenas 11 % dos portugueses a afirmar que paga por notícias digitais subscritas, são no mínimo “tentados” a dar espaço a vozes mais radicais para atrair audiência. É um critério. Respeito. Se eu faria? Não.

Nas redes sociais, debates moderados perdem tração e visualizações/espectadores, enquanto conteúdos inflamados geram mais partilhas, likes e comentários.

Se podermos chamar assim, a atual “incivilidade” passou a ser um negócio: vozes estridentes vendem mais anúncios do que debates sérios. Atualmente, quem quiser assistir a um debate de ideias, de ideologia e entre cavalheiros só tem um caminho: Ir à RTP Memória e recordar Sá Carneiro, Soares ou Freitas do Amaral. Ou nos podcasts e ir ouvir as histórias de Cavaco Silva, Ramalho Eanes, Lurdes Pintassilgo ou Cunhal. Que saudades dos tempos que não vivi da política portuguesa.

Por recordar os fundadores da nossa democracia, reitero o que sempre defendi e acho que não podemos – enquanto sociedade – deixar de trabalhar e defender: Temos de preservar os moderados. Temos de defender que apesar de qualquer algoritmo, valerá sempre a pena debater ideias, apresentar soluções e primar pela cultura e conhecimento. Que estudar não é crime e que ter percurso profissional não é condenável. Que estar preparado deve ser critério na política.

É neste contexto que os moderados têm um papel insubstituível.

Governar não é gerir gritarias, é resolver problemas. Exige discernimento, coragem e capacidade de construir consensos em vez de explorar fraturas sociais ou ideológicas. Por isso, porque não pensarmos em sociedade e em espaço aberto em soluções?

A alfabetização digital e em informação fidedigna deve ser debatida. Devemos investir em programas de literacia digital nas escolas e até nas autarquias para que os cidadãos saibam identificar fontes fiáveis e reconhecer desinformação.

É essencial defendermos, eleitores e eleitos, a Pluralidade nos meios de comunicação social regional e locais: Apoiar, a nível municipal, projetos de jornalismo local independentes que deem voz à diversidade de opiniões. Isto reduz a dependência de algoritmos globais e aumenta a identificação com temas da comunidade.

Não haja dúvida que sejam autarcas locais, como deputados à Assembleia da República ou até governantes, todos têm de olhar hoje para as Redes sociais como praça pública: Estimular a presença de agentes políticos e instituições locais em plataformas digitais, não para entrar na competição de gritos, mas para dialogar e informar de forma transparente.

A política portuguesa sempre teve espaço para moderação, sempre. Mesmo quando nas saudosas – pelo lado belo da causa pública e capacidade de mobilização humana e de ideias – eleições presidenciais de 1986, entre Freitas do Amaral e Mário Soares, o país parecia dividido a meio, houve espaço para demonstrar que não era fragmentação entre dois lados mas sim a forte convicção que cada lado tinha no seu candidato; Era a escolha pelo seu lado e não o odio pelo outro, sabendo que exageros sempre ocorrem. É possível discordar-se em democracia. Não sou eu que o digo, é a nossa História.

O espaço da moderação não pode desaparecer. O radicalismo pode seduzir num momento de crise, sabemos todos, mas não constrói pontes nem resolve problemas. Apenas adia soluções. Precisamos de líderes que entrem nos debates não para insultar, mas para propor; que percebam que um abraço é importante, mas que um orçamento bem quantificado, uma obra pública trabalhada em pluralidade partidária ou um programa social consistente valem mais para a comunidade e para o dia a dia dos eleitores.

Ser moderado é e sempre será ter a coragem de falar baixo num mundo que recompensa quem berra. É também acreditar que, se formos fiéis aos nossos valores e a tudo o que acreditamos saberemos conquistar e reconquistar a confiança dos cidadãos. Porque é na serenidade das propostas que se encontra a força da democracia.

Não nos deixemos contagiar pela nova moda da “incivilidade”. Defendamos o nosso espaço com inteligência, ironia quando necessário porque ser moderado não é ser cinzento, e sobretudo com propostas políticas credíveis, estudadas e trabalhadas. A história recompensa quem, mesmo quando o populismo e o ruído parecem irresistíveis, se mantém firme no caminho da razão e do respeito.