Em entrevista à CNN Portugal, a antiga ministra da Saúde Marta Temido veio assumir o seu arrependimento por ter apresentado a demissão ao então primeiro-ministro, António Costa, justificando com o facto de considerar agora que, tendo continuado, poderia ter feito mais pela saúde em Portugal.
O arrependimento da atual eurodeputada do PS, com a argumentação aduzida, tem implícita, desde logo, uma crítica direta ao trabalho do seu sucessor na pasta, Manuel Pizarro. Já que se presume que Marta Temido não estava a falar da sua autoestima e realização pessoal, mas do Serviço Nacional de Saúde e dos utentes em geral – ou seja, para a ex-ministra, a sua continuidade no Governo teria sido melhor para o SNS e para os portugueses do que a sua substituição por Pizarro.
Mas Marta Temido demitiu-se na sequência da morte de uma grávida em transporte entre dois hospitais. E fez mal.
Ainda na mesma entrevista, a antiga governante qualificou a situação atual do SNS como «muito mais grave» do que a que se vivia quando abandonou o cargo, mas considerou que a demissão de Ana Paula Martins não resolveria os gravíssimos problemas do setor. Tem razão.

Uma das causas dos gravíssimos problemas do Serviço Nacional de Saúde são os preconceitos ideológicos que conduziram ao fim das parcerias público-privadas (PPP) na gestão dos hospitais portugueses, precisamente no tempo dos governos de António Costa.
Sendo que Marta Temido sempre foi contra as PPP e uma das vozes mais ativas contra aquele modelo de gestão hospitalar, que, mesmo com erros, tem virtudes óbvias, designadamente porque exige uma gestão profissional ou profissionalizada.
A Saúde é um dos casos em que bem pode dizer-se que não basta mandar dinheiro para cima do problema. Que foi o que sempre fez António Costa e não pode continuar.
Com efeito, o peso da despesa com a Saúde no Orçamento de Estado não tem parado de crescer.
Mas nem por isso a situação melhorou. Entrou numa espiral e colapsou.
Ana Paula Martins herdou a reforma do SNS dos governos PS com uma direção executiva feita à imagem do seu líder, Fernando Araújo, e um modelo integrado de unidades de cuidados de saúde primários e hospitalares (Unidades Locais de Saúde – ULS).
E se os governos de Costa arrastaram demasiado tempo a definição dos estatutos da direção executiva, com as respetivas competências, o modus operandi e o relacionamento com o Ministério, cedo se percebeu que Luís Montenegro e Ana Paula Martins tinham outra conceção para a organização e funcionamento do SNS.
Ana Paula Martins, aliás, escolheu o caminho mais difícil do ponto de vista político, ao criar as condições para o afastamento de Fernando Araújo da direção executiva, abdicando daquele que poderia servir de escudo protetor ou amortecedor dos impactos das inevitáveis falhas do SNS.
E o que, agora, Ana Paula Martins denunciou sobre o chamado ‘turismo de saúde’ ou ‘turismo médico’, abusos na cooperação com países lusófonos, nascimentos fora das unidades hospitalares (partos que até podiam ser realizados em casa sem qualquer problema) e tantas outras ocorrências que são notícia quase diária nos media nacionais são realidades de um sistema minado por práticas enraizadas ao longo de anos.
E que muito provavelmente não deixarão nunca de existir.
Mas o sistema tem de responder.
Não pode, de modo algum, considerar-se normal a inexistência de partilha de comunicação entre as diferentes ULS e muito menos entre diferentes instituições da mesma unidade – como aconteceu neste último caso da grávida guineense, levando a ministra a prestar publicamente informações incorretas.
Mesmo que a responsabilidade possa ser de quem extinguiu a PPP no Hospital Amadora-Sintra sem cuidar de assegurar a uniformização dos sistemas de informatização de dados, comprometendo assim a respetiva partilha. E o PRR_serviu para quê?
Os problemas do SNS são muitos e demasiado complexos e dispensavam bem outras guerras que apenas agudizam os problemas. A começar pelos múltiplos interesses que gravitam em torno dos negócios multimilionários do setor.
O Presidente Marcelo tem razão. Só há uma solução para o SNS. Com gestão profissinalizada, e não amadora e clientelar, e com coordenação e complementaridade dos três setores (público, social e privado) e, sobretudo, com compromisso entre os partidos de poder. Sem linhas vermelhas. Sem complexos ideológicos. E sem clientelismos, nem corporativismos, nem lóbis que põem em causa todo o sistema.
De outro modo, vão continuar a suceder-se ministros e governos e presidentes, vai continuar a injetar-se cada vez mais dinheiro dos contribuintes na saúde e os casos e falhas graves do sistema nunca acabarão.
E, no fim, só restará o arrependimento de quem não fez o que podia ter feito. E o arrependimento, neste caso, mata.
Ana Paula Martins acha que tem muito a fazer pela saúde e, por isso, não se demite. E faz bem. Mas faça.