Nova Iorque. Mamdani vence na grande maçã

Zohran Mamdani, candidato democrata à Câmara de Nova Iorque, bateu Andrew Cuomo com mais de 50% dos votos. O autointitulado socialista democrático é o primeiro muçulmano a ocupar o principal cargo da maior cidade dos EUA

Zohran Mamdani, o autointitulado socialista democrático do Partido Democrata, é o novo presidente da Câmara de Nova Iorque. Mamdani, que tem sido visto como a nova coqueluche da esquerda, reavivando a esperança da ala menos moderada dos democratas de chegar ao topo do partido, conquistou mais de 50% dos votos na corrida pelo cargo mais alto da cidade de Nova Iorque. O político de 34 anos, que serve atualmente como membro da assembleia da maior cidade dos Estados Unidos, sucede a Eric Adams e o sentimento divide-se entre a esperança e a angústia.

Mamdani bate assim pela segunda vez Andrew Cuomo: primeiro nas primárias do Partido Democrata no verão, agora na eleição final, à qual Cuomo concorreu como independente. Nem o apoio do Presidente Donald Trump – que apelou aos nova-iorquinos na rede social Truth para «votar [em Cuomo] e torcer para que ele faça um ótimo trabalho» – valeu ao ex-governador do Estado de Nova Iorque. 

O democrata arrecadou 50,4% dos votos – enquanto Cuomo ficou pelos 41,6% – e conquistou quatro dos cinco bairros de Nova Iorque, tendo perdido apenas em Staten Island. O candidato republicano Curtis Sliwa não foi além de 7,1%, o que significa que nem um cenário hipotético em que todos os votos de Sliwa fossem canalizados para Cuomo depois do apoio de Trump impediria Mamdani de chegar ao poder na Grande Maçã.

Na abertura do seu discurso de vitória, Mamdani voltou a assumir-se como o presidente dos trabalhadores de forma algo poética e emocional. «Desde que nos lembramos», disse o presidente-eleito de Nova Iorque, «os trabalhadores de Nova Iorque têm ouvido dos ricos e dos bem relacionados que o poder não pertence às suas mãos». «Dedos feridos por levantar caixas no chão do armazém», continuou, «palmas das mãos calejadas pelo guiador da bicicleta de entregas, nós dos dedos marcados por queimaduras na cozinha: estas são mãos às quais não foi permitido deter o poder. No entanto, nos últimos 12 meses, vocês ousaram alcançar algo maior». «Esta noite, contra todas as probabilidades, nós alcançámo-lo. O futuro está nas nossas mãos. Meus amigos, derrubámos uma dinastia política». Zohran Mamdani acabou o discurso com os olhos postos no futuro, um futuro onde tenciona levar a cabo a sua agenda política: «Que as palavras que dissemos juntos, os sonhos que sonhamos juntos, se tornem a agenda que vamos cumprir juntos. Nova Iorque, esse poder é seu. Esta cidade pertence-vos».

Uma agenda polémica

Mas esta agenda tem sido o principal tema de controvérsia. Mesmo que se defina como socialista democrático – uma doutrina socialista que, teoricamente, se soltou das amarras dogmáticas da teoria marxista –, da mesma ala de outros políticos democratas como Bernie Sanders, Mamdani tem posições que levam vários críticos, Donald Trump incluído, a rotulá-lo de comunista. E desde que se apresentou às primárias do partido pelo qual acabou por concorrer, que várias das suas posições – algumas já com mais de quatro ou cinco anos – têm ressurgido nos meios de comunicação social e nas redes sociais.

As mais faladas e, naturalmente, alvo das críticas mais duras, são as declarações onde o novo presidente de Nova Iorque apela ao corte de fundos para a polícia: «Não precisamos de uma investigação para saber que a polícia de Nova Iorque é racista, anti-LGBTQ+ e uma grande ameaça à segurança pública. O que precisamos é de #DefundTheNYP», escreveu Mamdani na sua conta oficial do então Twitter em 2020. Noutras tomadas de posição controversas, assumiu a conquista dos meios de produção como «objetivo final», apelou para que a estátua de Cristóvão Colombo fosse derrubada com uma foto onde mostra o dedo do meio, promete colocar tetos nas rendas, ambiciona criar supermercados públicos, adotou uma posição pro-Palestina e anti-Israel digna de ativista, e chegou a propor uma maior carga fiscal para zonas de maioria branca.

Donald Trump, num discurso no America Business Forum em Miami, disse que a «5 de novembro de 2024 [data da eleição de Trump], o povo americano reivindicou o nosso governo. Restaurámos a nossa soberania. Perdemos um pouco de soberania ontem à noite em Nova Iorque, mas vamos tratar disso». Esta última parte, em tom de ameaça, deverá estar relacionada com o corte de fundos federais atribuídos à cidade de Nova Iorque, uma medida que Trump já tinha mencionado ativar caso Mamdani fosse eleito.

Quem votou em quem?

A vitória de Mamdani foi categórica. No final de contas, mais de 50% dos votos (mais de 1 milhão de votantes) e quatro dos cinco bairros acaba por tornar o triunfo eleitoral inequívoco. Mas, para responder à questão ‘quem votou em quem?’, um exercício de sociologia eleitoral cada vez mais comum, a NBC News levou a cabo uma sondagem à boca das urnas que acaba por nos oferecer uma resposta clara à pergunta de partida.

No que diz respeito ao sexo, Mamdani venceu entre os eleitores de ambos os sexos. Masculino (50% vs. 41%); feminino (50% vs. 43%). Quanto à etnia, conceito sempre controverso, mas utilizado aqui simplesmente para simplificação, Mamdani ganhou o voto branco (46% vs. 45%), o voto negro (55% vs. 40%), o voto hispano-americano (49% vs. 42%), o voto asiático (61% vs. 35%) e o voto de outras etnias não discriminadas na sondagem (51% vs. 39%). Ou seja, a etnia, ou cor da pele, não foi o fator decisivo da eleição, uma vez que Mamdani venceu entre o eleitorado de todas elas. Cuomo apenas conseguiu vencer entre o eleitorado masculino branco (48% vs. 43%). Passando às faixas etárias, Cuomo triunfou entre o eleitorado com mais de 45 anos, inclusive (51% vs. 39%) e Mamdani entre os mais jovens (78% vs. 17% dos 18 aos 29 anos e 66% vs. 28% dos 30 aos 44 anos). Aqui importa realçar a vitória esmagadora de Mamdani no voto jovem feminino (dos 18 aos 29 anos) foi 81% contra os 11% de Cuomo. Em termos de educação, o voto também se dividiu: Mamdani ganhou entre o eleitorado que concluiu o ensino superior (57% vs. 37%) e Cuomo entre o eleitorado sem diploma de ensino superior (48% vs. 41%). Mamdani, sem surpresa, conquistou a maioria do voto não-cristão e não-judeu, pro-LGBT e daqueles que não são proprietários da habitação na qual residem. Por fim, uma estatística que também merece destaque, Cuomo venceu (53% vs. 39%) entre o eleitorado feminino com filhos. 

Foi assim que Mamdani chegou à presidência da maior cidade dos Estados Unidos. Agora, resta esperar pelos resultados da sua agenda vincadamente socialista.