Querida avó,
Agora que já acertamos todos os relógios e celebramos o Halloween (que em Portugal tem tanta tradição, como o cozido à portuguesa nos Estados Unidos), está na hora de celebrarmos o meu aniversário.
Quando era novo o tempo era diferente! As horas tinham então muitos minutos, os minutos muitos segundos, e os segundos a vida inteira dentro deles. O dia chegava para tudo o que nós queríamos ser: índios, cowboys, polícias, ladrões, bombeiros, médicos, mágicos… até que vinha a noite e as nossas mães nos chamavam.
Hoje não temos tempo para nada!
Cresci a ver a Heidi (a menina que fica órfã e vai morar com o avô nos Alpes Suíços), o Marco (um menino italiano que parte numa longa e emocionante viagem para encontrar a mãe, que emigrou para a Argentina) e o Bambi (o veado que perde a mãe, no nascimento, e se torna o “Príncipe da Floresta”). A minha mãe ainda guarda as loiças do pequeno-almoço com estas (e outras) personagens…
Vivíamos com tudo isto, sem ter de recorrer ao psiquiatra. Uns resistentes.
Tirávamos imensas fotos e tínhamos de esperar uma semana para ver que tínhamos ficado mal em todas.
Agora passamos a vida numa correria. Às vezes só percebemos a importância de certos momentos muito tempo depois.
A vida tem-me ensinado que aquilo que os outros pensam de nós, não nos incomoda. Que o tempo cura tudo.
Aprendi também que envelhecer tem as suas vantagens: deixamos de ver as letras ao perto, mas passamos a distinguir os idiotas ao longe.
Hoje os Estrunfes, chamam-se Smurfs, a Anita passou a Martine, tiramos centenas de fotos e não temos nenhuma em papel…
O passado é um lugar para se aprender, não para se viver.
Devemos acrescentar mais vida aos anos e não mais anos à vida. Tens sido um exemplo de tudo isto. Obrigado.
Continuo a lutar por tornar os meus sonhos em realidade.
Bjs
Querido neto,
Espero que tenhas tido um excelente aniversário.
Quando era nova, tínhamos de saber as linhas e ramais de caminhos de ferro, as serras, os rios afluentes e subafluentes… Tudo muito bem decorado! Para ficarmos distintos no exame da quarta classe. Quem não ficasse distinto era olhado como um bicho raro, estranho ser descido de outras galáxias, que não sabia situar o ramal de Cáceres nem dizer que sistema pertencia à Serra de Penha Garcia…
Por falar em envelhecimento, deixa-me contar-te o que presenciei esta semana.
Não estava assim um grande dia de praia, as nuvens ameaçavam chuva, mas eles nem pareciam ligar a isso. Estavam ambos sentados a uma mesa da esplanada da Praia do Sul, aqui na Ericeira.
Deviam ser velhos amigos porque parecia conhecerem-se muito bem e não paravam de conversar.
De repente um deles disse:
«Quando eu era novo, nunca vinha para esta praia».
O outro ficou admirado.
«Nunca vinhas para aqui? E porquê?»
«Porque o meu pai não gostava. Dizia que o mar era muito bravo, que ninguém podia nadar aqui, e que estava sempre muito frio…»
Alguns minutos de silêncio e logo:
«O meu pai é um chato…Não digas nada a ninguém, mas juro que fiquei muito contente quando eles se divorciaram…»
«E a tua mãe gosta desta praia?»
«Adora! Está sempre aqui comigo. E nunca quer que eu fique sozinho. Nisso é um bocado chata. Não me larga. Nem sei como não me levou com ela agora. Mas tenho de admitir que quando eu era novo, ela era bem pior. Quando eu era novo, ela nunca, mas nunca me largava»
Uma senhora aproxima-se da mesa, com um casaco na mão e um gelado na outra:
«Toma lá o gelado que pediste, mas veste primeiro o casaco. Eu não quero que te constipes, que a escola começa já para a semana»
Nas autárquicas, existia um cartaz com um candidato com “123”anos (quando na verdade tem 23), imagina.
Aqui na Ericeira as pessoas envelhecem muito depressa…
Continuas um jovem. Nunca deixes de sonhar!
Bjs