As bolhas e os génios

Esperam-nos anos complexos, a começar já pelo próximo. Há nuvens carregadas no horizonte, cá dentro e lá fora. O Mundo anda meio enlouquecido

A bolha político-mediática nacional andou entretidíssima, durante a última semana, com uma questão da magna importância para o futuro do País: qual a mola que fez com que Gouveia e Melo decidisse avançar com a candidatura à Presidência da República???!!!

Marcelo Rebelo de Sousa sentiu-se picado e veio gritar que não era nada com ele e que não tinha querido empurrar o almirante para fora da corrida. Este saltou a terreiro frisando que não disse o que disseram que ele tinha dito. A autora do livro onde, alegadamente, a relevantíssima polémica nasceu, também resolveu pôr-se em bicos de pés. Enfim, um desperdício de tempo e energia, que nos afastou daquelas que, na essência, são as questões que devem realmente merecer debate e que mostram bem a pequenez da chamada ‘inteligência’ portuguesa.

Foi um espectáculo nada dignificante para qualquer dos intervenientes.

É o acessório a sobrepor-se ao essencial.

Ficam ofuscadas discussões que tragam luz a problemas complexos, como, por exemplo, o acréscimo na procura do Serviço Nacional de Saúde, registado desde o início do ano. Mais 150 mil pessoas dirigiram-se ao SNS, esticando ainda mais as costuras de um sistema sempre em pressão permanente. Isso, no entanto, é irrelevante perante o folclore de um líder político que o melhor que tem para mostrar de si mesmo é o abandono de uma entrevista, em pleno directo de um estúdio de TV, porque se sente incomodado com as perguntas, ou a algazarra de comentadores desportivos a esgrimirem argumentos sobre as desventuras do Benfica e a incompetência ou falta de idoneidade dos árbitros, que, coincidente ou convenientemente, favorecem os rivais.

Segunda-feira, começam, nas Televisões de sinal aberto, os frente-a-frente envolvendo os candidatos à Presidência da República. Vão ter oportunidade para exibirem perante o País aquilo que são e o que defendem. Será importante que exponham claramente as ideias que têm e que não caiam na tentação de alardear competências que não possuem ou que a Constituição não lhes confere. Conhecer o pensamento de cada um dos que se submetem ao escrutínio dos portugueses, em Janeiro, é útil para que cada cidadão encaminhe o seu voto para o que achar mais bem apetrechado para a função ou, pelo menos, mais confiável (o que já não seria mau como conceito…). O eleitorado dispensa o fogo de artifício da propaganda, da demagogia ou dos ataques pessoais, tão matraqueado que está pelas mensagens das campanhas dos partidos que têm por ambição conquistar o Poder e governar o País. Presidente é uma coisa, Governo é outra e evitar a tentação de confundir os papéis de um e outro não deixaria de corresponder a um sinal de respeito pelo povo. Admito que não passe de um desejo esperançoso, mas mesmo assim deixo-o aqui, na expectativa ingénua de que a maturidade e o bom senso ainda não tenham sido exterminados.

Esperam-nos anos complexos, a começar já pelo próximo. Há nuvens carregadas no horizonte, cá dentro e lá fora.

O Mundo anda meio enlouquecido.

A lei da bomba fala mais alto do que a diplomacia, com conflitos a dizimarem populações, sem dó nem misericórdia. Os mercados financeiros vivem em instabilidade, com rumores de possível crise económica a tornarem-se mais insistentes. A Europa vegeta, entorpecida e claramente fragilizada perante a imprevisibilidade de Trump e o umbiguismo americano.

Em Portugal, a crise na habitação veio para ficar. A alteração das leis laborais promete greve geral. Os radicalismos estão a dinamitar padrões de convivência e tolerância. No ensino, há problemas que resistem a todos os remédios, ano após ano, Governo após Governo. A Justiça é o que se sabe, a permitir espectáculos indecorosos como o que é proporcionado por Sócrates, no julgamento cujo curso vai manipulando.

No meio de tudo isto, o que se espera é que quem acabar por ir para Belém tenha, no mínimo, bom senso. Eu já ficaria contente se esse bom senso fosse acompanhado de sentido de Estado. Prescindo de génios. Se é para haver entretenimento e diversão, prefiro Manuel João Vieira. Ao menos, é mais animado e consegue ter graça.