Depois de uma campanha forte e carismática, Mamdani será o próximo presidente da Câmara de Nova Iorque. Convictamente socialista, que quer colocar tetos às rendas e criar mercearias públicas, Zohran Mamdani tornou-se a nova coqueluche da esquerda moderna a nível mundial. Mas quão relevante é a sua eleição? E será que as suas posições refletem uma agenda de sucesso?
Zohran Mamdani será o próximo presidente da cidade de Nova Iorque. Independentemente do caráter local da eleição, a sua vitória tem feito correr tinta um pouco por toda a parte. Mas quem é, afinal, a nova coqueluche da esquerda moderna?
Mamdani nasceu em Kampala, capital do Uganda, onde viveu até aos sete anos, mudando-se então com os seus pais para Nova Iorque. Filho de uma diretora de cinema e crítica literária indiana, Mira Nair, e de um antropólogo professor de estudos pós-coloniais na Universidade de Columbia, Mahmood Mamdani, Zohran fez o seu percurso escolar no ensino público de Nova Iorque, licenciando-se posteriormente em Estudos Africanos pelo Bowdoin College.
Em 2018 tornou-se oficialmente cidadão dos Estados Unidos e, de acordo com o seu perfil oficial da Assembleia de Nova Iorque, foi o seu trabalho «como conselheiro habitacional para prevenção de execuções hipotecárias, ajudando proprietários de baixa renda de minorias étnicas em Queens a lutar contra o despejo e permanecer nas suas casas (…) que o levou a concorrer a um cargo público». O cargo em questão é um assento na Assembleia Municipal de Nova Iorque, o qual ocupa, representando o trigésimo sexto distrito, desde 2021. Mas, pode ler-se ainda no seu perfil, a sua atividade profissional não foi o único propulsor que o levou a abraçar a vida pública: «Mais do que a sua experiência profissional, foi o ato de organizar que levou Zohran a tornar-se politicamente ativo. No ensino médio, Zohran cofundou a primeira equipa de críquete da sua escola, que viria a participar na temporada inaugural de críquete da Liga Atlética das Escolas Públicas. Esse ato, embora não fosse ostensivamente político, ensinou-lhe como a união de algumas pessoas com ideias semelhantes pode transformar a retórica em realidade».
E, ainda que as circunstâncias da vida o tenham levado a tentar outros ofícios, do rap à escrita, passando pela sétima arte, «era sempre a organização que garantia que os acontecimentos do nosso mundo não o levassem ao desespero, mas à ação».
Um ativista em prol do socialismo
A crítica mais comum que surge quando alguém da idade de Mamdani é eleito para um cargo público relevante é, de uma forma geral, a inexperiência. E ainda que essa tenha sido uma das armas de arremesso dos seus críticos e adversários, não foi a mais utilizada. A principal acusação foi, naturalmente, a de ser um socialista convicto, com o próprio presidente Donald Trump e outras personalidades a rotularem-no de comunista.
As suas posições esquerdistas, uma campanha bem conseguida e um discurso mais ativista que político, levaram a grande maioria dos jovens a votar em Mamdani. Da imposição de tetos às rendas como solução para o problema da habitação às mercearias públicas, passando pelo boicote a Israel e pelo aumento de impostos, o novo presidente da Grande Maçã é a materialização de um discurso vincadamente estatista: «Vamos provar que não há problema grande demais para o governo resolver, nem preocupação pequena demais para ele se importar».
A vitória de Mamdani é também a primeira de um muçulmano numa das principais cidades americanas. Mas não do Ocidente. É importante relembrar que, em 2016, um muçulmano, Sadiq Khan, foi eleito presidente da Câmara de Londres.
A crítica
Num país como os Estados Unidos, o constante “flirt” com a doutrina marxista levantará, inevitavelmente, algumas sobrancelhas. Foi assim que Richard Brookhiser, escritor e historiador americano, residente em Nova Iorque desde 1977, num artigo (Zohran Mamdani perdeu a reviravolta de Nova Iorque — e, por isso, não aprendeu nada com ela) publicado na National Review em setembro, descreveu aquilo que, à data de redação, era praticamente uma inevitabilidade: «O que ele conhece é a retórica e a prática do socialismo de esquerda. O socialismo hoje é um projeto tanto cultural quanto económico. Ele vai eliminar o registo municipal de membros de gangues. Vai arrecadar mil milhões de dólares em impostos para financiar uma força de assistentes sociais para lidar com criminosos. (Isto não vai impedir crimes, mas vai dar emprego a ativistas subempregados — socialismo como sobras de queijo.) Ele abrirá mercearias municipais. Elas falharam em todas as outras cidades que as experimentaram, mas será que foram realmente experimentadas?». «Ambição e ideologia, somadas à ignorância e indiferença», continuava Brookisher, «não são uma boa equação». «Vou consultar as sondagens na véspera das eleições e votar no candidato que não tenha 12 anos e que estiver mais próximo do líder», concluiu o escritor, «[d]epois disso, é só desfrutar da experiência».
Apoio internacional
A vitória contundente de Donald Trump há sensivelmente um ano, juntamente com o crescimento da direita populista um pouco por todo o lado, particularmente na Europa, deixou a esquerda numa posição complicada. A campanha presidencial do Partido Democrata foi caótica, insistindo em Joe Biden até ao último momento independentemente das visíveis dificuldades e forçado a escolher a sua vice-presidente, Kamala Harris, à pressão, e a guinada à esquerda não foi, de todo, bem-sucedida eleitoralmente. Também na Europa, a “esquerdização” dos partidos de centro-esquerda não tem encontrado respaldo nas urnas. Mas agora surge Mamdani – da ala mais à esquerda dos democratas – que vence a eleição para a Câmara da cidade de Nova Iorque com mais de 50% dos votos. Importa relembrar que, independentemente de se tratar de uma eleição autárquica, utilizando uma linguagem eleitoral portuguesa, Nova Iorque é a maior cidade dos Estados Unidos e a capital internacional do capitalismo e da finança.
Vários diagnósticos e explicações para esta vitória têm surgido na última semana. O próximo mayor de Nova Iorque é um autointitulado socialista democrático, com várias posições que revelam admiração pelo marxismo clássico – independentemente da natural tentativa de as suavizar e moderar durante a campanha, muçulmano e ativista anti-Israel. Tudo isto na maior cidade do Mundo Livre. De quem é a culpa?
A resposta a esta questão ficará, naturalmente, para os politólogos, sociólogos e especialistas em dinâmicas eleitorais. O que é certo é que a esquerda, cada vez mais encostada à parede, vislumbra em Mamdani um balão de oxigénio, uma prova de que o esquerdismo mais pronunciado também pode vencer eleições.
Um futuro brilhante?
Mas, todas as eleições são diferentes e a relevância das eleições para Câmara de Nova Iorque está a ser sobrevalorizada, como notou Ross Douthat do New York Times: «É provável que a vitória de Mamdani seja, na verdade, menos significativa do que se pensa». Isto porque, em parte, os média, continua o colunista, «ainda centrados em Nova Iorque, tendem a exagerar a importância da política municipal da cidade. E também porque o cargo de mayor de Nova Iorque tem sido, em geral, um trampolim político para lugar nenhum». «Mamdani foi eleito como o presidente da câmara de esquerda de uma cidade de esquerda», aprofunda Douthat, «e imaginar que isso o torna um modelo de como o Partido Democrata deve competir em todo o país é um pouco como imaginar que um republicano de extrema-direita, eleito no Alabama ou em Idaho, provavelmente oferecerá um modelo de como os republicanos devem competir nos swing states — isso provavelmente é uma fantasia».
Por isto, remata o ex-editor sénior da revista The Atlantic, «ser eleito governador ou senador e tornar-se um importante líder de fação da esquerda, se não o líder do Partido Democrata como um todo (…) é o melhor cenário para a sua importância política a longo prazo, mas ainda acho mais provável que quatro anos a governar Nova Iorque demonstrem, mais uma vez, porque é que ser eleito presidente da câmara é muitas vezes o auge da carreira, em vez de uma porta de entrada para algo maior do que a Grande Maçã»