Deixo aqui a minha solidariedade a Torres Couto, sabendo que a coragem que nunca lhe faltou o ajudará a lidar com esta provação. Concordo com ele quando diz que os portugueses não sabem adequar a sua condução às condições meteorológicas. Ainda esta semana, atravessando a Ponte da Arrábida debaixo de um aguaceiro e fustigado por vento muito forte, fui ultrapassado por inúmeros automóveis e camiões que continuavam a circular a mais de 100 km/hora, como se as condições da via fossem as normais.
A sinistralidade rodoviária continua a ser assustadora entre nós. Em 2023, Portugal foi o sexto pior país da UE, com 60,8 mortes por milhão de habitantes, acima da média europeia de 45,6. Ou seja, morrem por ano 600 pessoas vítimas de acidentes rodoviários. Muitas mais sofrem ferimentos graves, alguns dos quais irrecuperáveis. O custo para a sociedade é tremendo. A promessa de reduzir este número para metade em 2030 parece uma miragem. As estatísticas indicam que os acidentes rodoviários continuam a ser a principal causa de mortalidade de crianças e jovens entre os cinco e os 29 anos. Para que deixemos de ser um país tão perigoso, falta estratégia, maior fiscalização, repressão mais severa e formação, responsabilidade e civismo.
2. Tenho dúvidas sobre o impacto da Web Summit e, em particular, sobre o custo-benefício de um tão grande investimento público num evento privado, oneroso e de acesso limitado. Não simpatizo com o senhor Cosgrove, ainda que lhe reconheça o mérito de ter montado um excelente negócio. Talvez por isso, incomoda-me que esteja sempre a queixar-se das condições disponíveis em Lisboa. Desta vez, insurgiu-se com o preço dos hotéis na capital, o que é de estranhar em alguém que defende acerrimamente o modelo capitalista e cobra ingressos ao preço exorbitante que o mercado lhe permite. Devia perceber que o preço elevado dos hotéis resulta do pico de procura que o evento causa. E que não será relevante para quem utiliza um dos tais jatos privados que não conseguem aceder ao aeroporto de Lisboa, que Cosgrave certamente gostaria de reservar para os seus clientes e convidados.
É caso para dizer que é rico e mal-agradecido a nós, os pobres que sustentamos o seu chorudo negócio. Para o ano, a fogueira de vaidades regressará para alegrar a parvónia.
3. Veremos o impacto da greve geral que surge a destempo, quando ainda decorrem as negociações entre o Governo e os parceiros sociais e a proposta ainda não chegou ao Parlamento. Nem tudo é óbvio, e uma reforma laboral nunca será consensual. Mas a proposta que é conhecida aborda questões pertinentes: a redefinição dos serviços mínimos em setores essenciais que não podem ser paralisados, o que, de resto, não belisca o sagrado direito à greve. Também trata dos contratos a termo, cuja extensão de dois para três anos incentiva a criação de primeiro emprego. Simultaneamente, extingue-se o período experimental de seis meses para jovens e desempregados de longa duração, regime em que, ao contrário do que sucede nos contratos a termo, o trabalhador não recebe compensação pela não renovação.
Surpreende-me, no entanto, que nada se faça para aproximar as condições entre o setor público e o setor privado, onde a precariedade e o risco de desaparecimento do emprego representam, por comparação, uma insuportável desigualdade. No mundo laboral há, de facto, três castas: a do setor público eminentemente garantista, a dos que têm vínculo definitivo com uma empresa privada e a dos ‘outsiders’, que chegam agora ao mercado de trabalho e que nenhuma central sindical protege.