Telegramas

Passeando pelo centro histórico de Helsínquia em redor do lindo parque Esplanadi, notei a profusão de pequenos e elegantes restaurantes cheios de finlandeses que jantavam à luz de velas. Que contraste com a Baixa de Lisboa…

Afazeres profissionais levaram-me durante a última semana à Finlândia. A crónica desta semana sofreu da falta de tempo e, por isso, terá um formato diferente: breves impressões de viagem e reações sumárias aos ecos de cá que lá me encontraram.

1. Andei por universidades em Helsínquia e em Turku. Os interlocutores eram, como é comum na academia, inclinados à esquerda. Mas todos eles, sem exceção, sentiam no pescoço o bafo quente do gigantesco urso Misha e manifestaram-se encantados com proteção proporcionada pela participação da Finlândia na NATO. Ainda assim, preocupados com a possibilidade de Trump não honrar o espírito do Artigo 5º.

2. Não tive muito tempo para fazer turismo. Em Helsínquia, contudo, numa tarde baça tive um encontro luminoso com a Oodi, a biblioteca central da cidade. Não foi tanto a beleza arquitetónica do edifício – uma linda onda dourada na praça do Parlamento – ou a sua dimensão – 10.000 m2 albergando 70.000 livros em estantes. Foi, acima de tudo, o conceito: um espaço para todos e para tudo. Uma plataforma para os cidadãos se encontrarem, fazerem, jogarem, festejarem, trabalharem, aprenderem, treinarem, repousarem e, também, claro, lerem. O oposto de uma biblioteca fechada e circunspecta. Em Portugal apenas conheço um edifício concebido com esta ideologia de ser uma plataforma aberta e cidadã, o campus da Nova SBE em Carcavelos (curiosamente os espaços são contemporâneos).

3. Passeando ao início na noite no centro histórico de Helsínquia em redor do lindo parque Esplanadi não pude deixar de notar a profusão de pequenos e elegantes restaurantes cheios de finlandeses que jantavam à luz de velas. Que contraste com a Baixa de Lisboa, onde, à Disneylândia diurna se sucedem noites desertas e ameaçadoras.

4. Os sindicatos aparecem unidos numa greve geral contra a reforma da lei laboral. Estranho como os que mais clamam contra a precariedade sejam aqueles que mais ferozmente se opõem a medidas cujo principal objetivo é reforçar a confiança dos empregadores para contratar sem termo. Reduzir a segmentação do mercado de trabalho, (ou seja, a divisão entre os que têm contratos permanentes e os que não os têm), é uma questão de justiça, mas, também, uma de crescimento da produtividade. Como propõem os sindicatos que se faça? Ou será que os sindicatos, no quadro da sua falta de representatividade genérica, dão voz apenas aos trabalhadores ‘instalados’?

5. Li que na conferência do Jornal Eco o ministro da Economia proclamou que o problema do país não é a falta de infraestruturas físicas como estradas, hospitais ou escolas. Assino por baixo, (se bem que me interrogue sobre a qualidade em ‘unidades de eficiência’ de todo esse capital depois de anos de investimento público líquido negativo). Mas a sua conclusão de que o verdadeiro problema é os portugueses ganharem pouco pareceu-me uma boutade de gosto duvidoso. A Castro Almeida pedia-se não confundir sintomas com causas e, sobretudo, sugerir soluções.

6. A locomotiva perde o gás. As últimas previsões sobre o crescimento alemão são sombrias: um relatório do “Conselho de Peritos” aponta um valor de apenas 0,2% para este ano, ou seja, estagnação. Com a França a braços com uma profunda crise política e orçamental a EU está sem locomotivas.

7. Ah! Já me esquecia. Teve lugar mais um Web Summit, o décimo. Essa grande manifestação de saloiice nacional e da nossa pecha para o deslumbramento com o acessório. Uma excelente ocasião para os políticos se armarem em modernaços e, de camisa aberta, fazerem promessas tontas como aquela de um tutor de IA para cada estudante. Antes um tutor de português ou de matemática, mas isso não seria prafrentex. Para quando uma avaliação independente e rigorosa do valor gerado por esta (e outras) iniciativas?

Professor universitário