As comemorações dos 50 anos do 25 de Novembro deram origem a uma verdadeira guerra de flores. No 25 de Abril, recordava Salgueiro Maia, distribuíram-se cravos brancos e vermelhos; os fotógrafos destacaram os vermelhos, porque essa era a cor da esquerda.
Não foi por isso — ou não só por isso — que a esquerda se auto-proclamou herdeira exclusiva do 25 de Abril. A essa mística muito ajudou a ausência prolongada de alguma direita em celebrar, de forma desempoeirada, o fim de uma ditadura. Criou-se assim o equívoco de que o 25 de Abril é coutada da esquerda, quando é, na verdade, uma data de todos os democratas.
Mas se alguma direita se demitiu do 25 de Abril, alguma esquerda tem rejeitado o 25 de Novembro. Um sem o outro não existe. O 25 de Novembro não existiria sem o 25 de Abril — mas também é verdade que o 25 de Abril não teria conduzido à democracia liberal de 1976 sem o 25 de Novembro. O PREC abria fissuras perigosas, e a ameaça de guerra civil era real.
O 25 de Novembro permitiu que Portugal avançasse “para uma democracia pluralista e ocidental”, impedindo que nos transformássemos numa “Cuba do Ocidente” — palavras de Mário Soares, a figura civil maior desse dia. Se Ramalho Eanes e Jaime Neves comandaram os militares que travaram a ala radical do MFA, foi Mário Soares quem, nas ruas, conquistou o apoio popular que impediu que Portugal mergulhasse no abismo.
Estranha-se, por isso, que o PS de 2025 fale com rebuço do 25 de Novembro de 1975. Que ignore o património de Mário Soares — que é herança de todos os democratas. A recusa em integrar a Comissão Organizadora das cerimónias não é apenas uma omissão: é uma revisão implícita da própria história do partido. Tal só se pode dever à voragem deste PS pela esquerda radical, precisamente aquela que o 25 de Novembro travou.
É uma opção legítima que o PS continue a ceder às demandas da esquerda radical na expectativa de ter um dia de ressuscitar e recauchutar a geringonça. Mas é uma opção contrária ao espírito do 25 de Novembro. No 25 de Novembro venceu a liberdade e a democracia representativa. Perdeu a visão alternativa, em que a liberdade era subalterne e a democracia uma farsa a que outros, mais cândidos, chamaram de ditadura do proletariado.
Trocar uma ditadura por outra era, com efeito, o desejo de muitos. A legitimidade revolucionária deveria prevalecer sobre a legitimidade democrática, e a ideia de uma assembleia representativa seria, no fundo, uma excentricidade burguesa, como confessou Álvaro Cunhal a Oriana Fallaci.
Esse desejo viu o seu ensejo com o início do PREC, o Gonçalvismo e uma ala radicalizada do MFA. Não colheu foi apoio onde mais importava — no povo. O mesmo povo que havia dado uns modestos 12.46% votos ao PCP. E se o povo estava ainda pouco esclarecido, havia que assegurar que a revolução continuaria, com ou sem ele.
Valeu-nos a coragem de homens e mulheres que impediram que a Revolução de Abril se tornasse numa Revolução de Outubro. A aurora de Novembro dissipou a penumbra de Outubro e devolveu Abril ao seu espírito original: liberdade e democracia, não utopias socialistas.
É por isso que uso — no 25 de Abril e no 25 de Novembro — um cravo branco: símbolo maior da liberdade, despida do vermelho do socialismo e do sangue que poderia ter sido derramado caso o 25 de Novembro não tivesse ocorrido.