Façam lá a vossa greve

O Governo conta que os grevistas fiquem em casa: nem vão trabalhar nem vão para a rua protestar

Os partidos de esquerda exageram, a reforma laboral está longe de ser um conjunto de leis radicais contra os direitos dos trabalhadores. Tem duas ou três indecências que facilmente poderiam ser retiradas, mas nenhuma torna o pacote num presente de natal para os patrões. O que faz dela o ponto de apoio para a alavanca de uma greve geral é outra coisa: a provocação. E ela, que pode nascer da pressa e morrer na autoconfiança da ministra, mostra não apenas que o Governo não tem medo como possivelmente deseja o confronto. Para vencer e dobrar os sindicatos, que indisfarçavelmente trata como forças de atraso.

A reforma de Luís Montenegro é sobretudo uma reversão do pacote laboral de António Costa, repondo contratos a termo num máximo de três anos, repondo o direito a possibilidade de substituição de trabalhadores despedidos por serviços subcontratados ou reduzindo proteções a quem trabalha através de plataformas digitais. Estes pontos, a que acresce o banco de horas individual e a possibilidade de ‘despromoção’ de categoria profissional, são os pontos fulcrais da reforma. E sim, aumentam a precariedade, porque ‘repõem’ o nível anterior de precariedade. 

A provocação está em a ministra não se ter esforçado nem um milímetro para um acordo. Está em ter apresentado o facto consumado, colocando o carro da proposta à frente dos bois da negociação. Está em não ter incluído uma só medida, umazinha que fosse, que pudesse beneficiar substancialmente trabalhadores. Está em dizer que prepara o futuro mas nada inclui sobre o que vai construir produtividade e destruir empregos tradicionais, a inteligência artificial. Está em dizer que os trabalhadores têm direitos a mais e as mães abusam do tempo de amamentação. Está na torção do pressuposto de que o trabalhador é a parte mais fraca numa relação laboral quando admite que quem é despedido ilegalmente pode não ser reintegrado na empresa. Está em limitar o exercício de conversações com a UGT a uma encenação política de culpa sobre quem é o mais inflexível e quem será o responsável pelos incómodos particulares de uma greve geral. Está em agir como se dissesse «vá, façam lá a vossa grevezinha que temos de andar com isto para a frente».

O Governo não chegou a acordo com a UGT até aqui porque não quis convencer nem sequer os Trabalhadores Sociais Democratas. Porque Luís Montenegro considera que há abusos do direito à greve e sabe que muitos portugueses preferem ‘deixar o Luís trabalhar’ a ficarem encalacrados no trânsito ou à porta de serviços públicos. O país está à direita, não estará sempre nem para sempre, donde a reforma avança agora com o apoio do Chega – e porque o Governo conta que os grevistas fiquem em casa, isto é, não vão trabalhar mas também não vão para a rua protestar.

Se assim for, a greve geral será um dia de tédio para um Governo que se desdobrará em declarações sobre as responsabilidades e as irresponsabilidades sindicais da temporada. Sem clamor na rua, os sindicatos podem até reivindicar que ganharam o dia mas perderão depois pela inutilidade da demonstração de força: a reforma avançará, Montenegro questionará o abuso do direito à greve e a ministra sentirá que a sua missão está cumprida: já reformou as leis, o país já vai andar para a frente, feliz natal e bom ano novo.