Por três vezes passou pelos cárceres do antigo regime (Aljube, Caxias e Forte de Peniche). Ao todo, deu mais de uma década (11 anos) na luta antifascista, e ainda viveu escondido com a família durante mais uns anos, participando na organização clandestina do Partido Comunista Português. Só foi libertado do Forte de Peniche a 27 de abril de 1974, dois dias depois do 25 de Abril. Nas prisões conheceu gavetas imundas, camas infestadas de pulgas, tortura do sono, pancadas constantes. Recusou sempre assinar documentos que o afastassem do partido. Foi íntegro até ao fim, tendo morrido na segunda-feira, aos 94 anos.
Nascido a 19 de agosto de 1931, no bairro operário da Ajuda, Lisboa, começou a trabalhar aos 11 anos num restaurante, observando de perto a diferença entre a vida dura dos empregados e a opulência dos clientes. Foi essa experiência que moldou a consciência social que o levaria, em 1956, a entrar para o PCP. Três anos depois integrava os quadros de funcionários do partido, assumindo tarefas clandestinas de organização do setor do Baixo-Ribatejo, da Direção Regional de Lisboa e do Comité Local da capital.
Manuel Pedro foi também dirigente do Cineclube Imagem, onde compreendeu a força do cinema como ferramenta de cultura e resistência, e participou na delegação portuguesa ao 6.º Festival Internacional da Juventude e dos Estudantes em Moscovo, em 1957. Durante toda a sua militância, combinou rigor e firmeza com uma capacidade invulgar de proximidade e humor, sempre pronto a uma palavra leve ou a uma graça, mesmo nos momentos mais duros.
A prisão marcou-o, mas não o definiu. Libertado de Peniche, regressou imediatamente à militância: foi membro do Comité Central do PCP de 1974 a 1988 e manteve-se ativo nos órgãos executivos sempre que a saúde lho permitiu. Ao longo da vida, esteve acompanhado da companheira Maria Júlia, partilhando clandestinidade, repressão e a separação das filhas, um quotidiano de risco que poucos suportariam.
Manuel Pedro deixou também dois livros sobre a sua experiência: Sonhos de Poeta, Vida de Revolucionário e Resistentes, nos quais descreve a vida clandestina, a resistência antifascista e os cineclubes que marcaram a juventude militante. O PCP recorda-o como um exemplo de coragem, frontalidade e firmeza, militante inteiramente dedicado aos trabalhadores e à construção de um Portugal democrático, socialista e comunista.
Entre os antigos presos políticos, era conhecido pela precisão com que reconstruía episódios e nomes, sem exageros, sem a auto-mitologia que tantas vezes contamina as memórias da clandestinidade. Descrevia a rotina das prisões com uma frieza quase administrativa: os horários, os guardas, os códigos improvisados entre celas, a forma como os presos avaliavam, em segundos, quem tinha quebrado ou resistido. Era essa objetividade que o tornava uma referência para investigadores e jovens militantes que procuravam entender o que significara, de facto, enfrentar a PIDE – não em abstrato, mas naquela sequência de decisões pequenas, diárias, que podem comprometer um coletivo inteiro.
Outra marca sua era a resistência à ‘glória retroativa’ que o pós-25 de Abril distribuiu com largueza. Nunca se deixou capturar pela nostalgia fácil. Falava da clandestinidade como trabalho de desgaste, não como a matéria que nos dá lendas e heróis. E insistia em lembrar que os erros faziam parte do percurso e deviam ser ditos, não apagados. Para muitos no PCP, essa frontalidade era desconfortável; para outros, era a razão pela qual a sua opinião continuou a ser solicitada até muito tarde.