Há quem diga, com aquele ar de resignação sábia, que temos os líderes que merecemos. Eu nunca digeri bem essa frase. Parece-me mais uma desculpa coletiva para continuar a escolher sempre do mesmo modo e depois fingir surpresa com os resultados. Durante décadas votámos com os mesmos critérios, nas mesmas poses, nos mesmos discursos redondos – e depois admiramo-nos por o país andar em círculos, como um navio sem bússola, mas com demasiados comandantes de salão.
Talvez o problema esteja em esquecermos o essencial: o que realmente importa num líder público? Não é a eloquência barroca, nem a carreira partidária em escadaria, nem a capacidade de dizer tudo sem dizer nada. Importa algo bem mais simples – e, por isso mesmo, mais raro: simplicidade no discurso, generosidade no olhar para os outros, independência de interesses, pensamento crítico, coragem para decidir e, sobretudo, capacidade de agir. Fazer. Resolver. Avançar.
Ora, quando olhamos para o panorama político atual, a resposta surge sozinha, num silêncio confrangedor. E é precisamente por isso que Henrique Gouveia e Melo se tornou uma espécie de corpo estranho – no melhor sentido da palavra. Ele não se parece com o molde habitual. Não fala como político profissional, não age como político profissional e, sobretudo, não vive como político profissional. E isso, num país habituado a confundir poder com privilégio, causa uma estranha mistura de admiração e desconforto.
Os portugueses conhecem-no pelo que fez: nos fogos, na Marinha, na pandemia. Conhecem-no porque, quando o país precisava de organização, apareceu organização; quando precisava de clareza, apareceu clareza; quando precisava de resultados, apareceram resultados. Mas mais importante do que tudo isso é quem ele é. Um homem pouco interessado em dinheiro, em cargos ou em símbolos de estatuto. O mesmo carro durante décadas, a mota para ir trabalhar, a vida sem luxos – quase uma provocação num tempo em que o poder vem tantas vezes acompanhado de motoristas, gabinetes e um súbito gosto por hotéis de cinco estrelas.
Gouveia e Melo não tem partido. E não é por cálculo. É porque o seu partido são os portugueses. Todos. Os que votam à esquerda, à direita, ao centro e os que já não votam porque se cansaram. Ele representa algo que esquecemos que existia: serviço público sem asteriscos. E isso explica tanto o respeito genuíno das pessoas como o nervosismo de muitos profissionais da política.
Há também algo profundamente reconfortante nele: a capacidade de agir em crise sem histeria. Durante a pandemia, mostrou que é possível coordenar ministérios, autarquias, forças armadas e sociedade civil sem gritar, sem humilhar, sem procurar protagonismo. Foi política da melhor espécie – mesmo sem parecer política. Um paradoxo que só os verdadeiramente competentes conseguem.
E é por isso que a ideia de o termos como Presidente da República não é um capricho nem um entusiasmo passageiro. É uma oportunidade rara. Um Presidente que sabe reconhecer o valor do trabalho feito, que distingue ação de conversa, que ouve Governo e oposição com espírito crítico e funciona como o fiel da balança que a democracia exige. Um Presidente que não precisa de palco para ter autoridade.
É verdade: um Presidente não muda tudo sozinho. Precisamos de mais líderes com estas qualidades em todo o sistema. Mas as grandes mudanças começam sempre com um primeiro passo. E eleger Henrique Gouveia e Melo seria exatamente isso: um passo firme, consciente e cheio de significado.
Por tudo o que fez, sim – mas sobretudo por tudo o que é e representa, os portugueses devem-lhe reconhecimento e gratidão. E Portugal deve a si próprio não desperdiçar a oportunidade de ter, em Belém, alguém assim. Porque homens destes não aparecem muitas vezes. E quando aparecem, convém não deixar passar o navio.