Um Natal às antigas

Esta dependência crescente nas realidades virtuais constitui o álibi perfeito para a descrença na democracia representativa, aproveitado por quem entende ser necessário fragilizar as estruturas sociais, trilhando um caminho bem claro nas suas motivações

Os anos recentes mostram como os avanços tecnológicos, sem uma regulação política eficaz, tendem a intensificar desigualdades e a reproduzir as piores essências humanas, intrínsecas ao lado mais perverso de um ser. Esta encruzilhada não se confronta apenas entre o progresso e os valores que nos deveriam diferenciar neste planeta. Debate-se entre uma civilização exclusivamente orientada para o fim das instituições e outra que se julgava fundada na justiça social e paritária.

A passos largos da inteligência artificial dominar o nosso dia-a-dia, a preocupação de quem a proporciona está mais vocacionada para o seu crescimento descontrolado, ao invés da correção dos seus lapsos frequentes na prestação de informações, dando por verdadeiras quaisquer frases saídas de um telemóvel ou computador, sem cruzamento de dados, induzindo em erro os mais impreparados.

Não sendo um entusiasta do uso das diversas aplicações de inteligência artificial disponíveis a qualquer um, por considerar que a sua utilização progressiva só contribuirá para um atrofiamento intelectual e cultural capaz de condicionar as próximas gerações, apercebo-me ainda de relatos dos mais variados utilizadores, queixando-se de falsidades transmitidas como reais nas pesquisas realizadas. Chamam-lhes alucinações destas ferramentas tecnológicas, mas ninguém se importa muito com isso.

Perante a crise de autoridade nas organizações multilaterais, esta dependência crescente nas realidades virtuais constitui o álibi perfeito para a descrença na democracia representativa, aproveitado por quem entende ser necessário fragilizar as estruturas sociais, trilhando um caminho bem claro nas suas motivações. 

Assistimos com perplexidade a estes protagonistas, impulsionados pelos algoritmos certos, usarem e abusarem da impunidade com que se mente nas redes sociais, condicionando pensamentos apontados à destruição da vida em sociedade. Só assim se compreende a passividade ensurdecedora perante os cartazes políticos divisionistas, as alterações a uma lei da nacionalidade baseadas em factos errados, os casamentos por meios artificiais realizados em concursos televisivos, a eliminação de adversários e oposições através da justiça ou as estatísticas rapidamente esquecidas após o dia mundial da erradicação da violência contra as mulheres.

As intenções finais são óbvias. Através do ódio assente na ignorância, proliferado pelas vias tecnológicas, instalando uma raiva descontrolada cuja existência tão vincada se desconhecia, ao ponto do único crime em crescimento ser a violência doméstica, os pilares institucionais como os conhecíamos estão seriamente abalados. E é imprescindível combater a normalização do discurso maléfico de ódio, como referiu recentemente o Cardeal Patriarca de Lisboa, sendo essa uma tarefa urgente e obrigatória para cada um de nós.

Numa era digital onde todos se julgam importantes influenciadores escondidos atrás das teclas, que os crentes e descrentes aproveitem esta época natalícia para transmitir mensagens de união, de relançamento da humanidade e de regresso à solidariedade entre os povos, ou seja, um prolongado Natal às antigas.