Sul-americanos, derrubem este muro!

Em 1989 caiu um muro de betão em Berlim, mas, em 1990, ergueu-se um ideológico na América Latina pela mão de Fidel Castro, à época de luto pela morte do seu Senhor

Escusado será dizer que a queda do Muro de Berlim foi um dos acontecimentos mais importantes da história recente. Foi o culminar da vitória do Ocidente e das ideias da liberdade frente ao comunismo e à repressão. E se a vitória final chegou há trinta e seis anos, a superioridade já havia sido conquistada em 1961. De facto, existem poucos reconhecimentos de inferioridade mais explícitos que erguer um muro para impedir a fuga dos seus próprios cidadãos de uma realidade lúgubre para um mundo melhor e, também, mais bonito. 

A queda do Muro e o subsequente colapso da União Soviética levantaram um enorme problema para os estados vassalos de Moscovo, particularmente Cuba, o caso mais flagrante da extensão do polvo soviético. É com este pano de fundo que Fidel Castro tem uma ideia. Como bem explicou Philipp Bagus no seu livro Javier Milei: A Causa da Liberdade, traduzido para português por Mário Dias Correia e editado pela D. Quixote em conjunto com a Oficina da Liberdade, «Fidel Castro tem de procurar um novo senhorio à custa do qual a casta política cubana possa sobreviver e encontra um ali mesmo ao pé da porta. O seu objetivo: criar uma espécie de União Soviética latino-americana». «O meio para atingir esse fim», explica o economista alemão, «é o Foro de São Paulo, (…) uma aliança de partidos de esquerda da América Latina», que tem como objetivo «discutir a queda do Muro de Berlim» e redesenhar a estratégia socialista. E Milei desconstruiu o plano esquerdista em três fases: 1) guerra cultural; 2) regulamentação que ambiciona colocar amarras no capitalismo; 3) expropriar e nacionalizar tudo quanto seja possível.

Assim, caiu um muro de betão em Berlim, mas ergueu-se um ideológico na América Latina. E se o Muro de Berlim não permitia que os seus cidadãos se libertassem das amarras da República Democrática Alemã (note-se a perversão do conceito de democracia), o avanço da ideologia saída do Foro de São Paulo forçou-os a emigrar dos seus países cujo potencial de desenvolvimento era inegável. A Venezuela, que caiu nas mãos de Chávez em 1998, é um exemplo paradigmático. Lula no Brasil, Morales na Bolívia, Bachelet no Chile, Ortega na Nicarágua e Correa no Equador foram outros frutos que brotaram da árvore plantada em São Paulo, com sucesso, diga-se, por um Castro de luto pela morte do seu Senhor.

Mas o mundo está a mudar e a direita no continente americano parece já ter entendido algo fundamental: o movimento conservador é inerentemente diversificado. Na verdade, é extremamente diversificado quando comparado com o seu rival liberal (no sentido americano). Várias doutrinas e filosofias compõem essa grande tenda política a que chamamos, a título de simplificação, conservadorismo. E hoje, como em outras circunstâncias históricas, os conservadores deparam-se com uma escolha: ou abraçam essa diversidade, reagrupando as forças coletivas apesar das inegáveis e intrínsecas diferenças, por vezes difíceis de ultrapassar, ou não têm como escapar a uma rutura decisiva, embarcando numa guerra civil que terá apenas um vencedor: o coletivismo liberal, como Frank S. Meyer costumava apelidá-lo, ou seja, o inimigo comum de praticamente todas as direitas. 

No continente americano, a direita parece ter optado pela primeira solução, sendo precisamente por isto que assistimos a uma aliança, por vezes tácita, por vezes explícita, entre figuras tão diferentes como Milei, Trump, Bukele, Bolsonaro e, agora, Kast no Chile (para um entendimento mais profundo desta aliança, recomendaria o artigo de Murray Rothbard, Right-wing Populism: A Strategy for the Paleo Movement, publicado em 1992). Também porque entenderam que, num cenário de fragmentação, correm o sério risco de se transformar em meros espetadores de um espetáculo fatídico, no qual a nossa civilização – o nosso património e propósito comuns – desmorona nas mãos daqueles que a desprezam.

E, enquanto muitos membros do Foro de São Paulo continuam absortos no seu antiamericanismo clássico, os eleitores vão rejeitando a sua agenda de forma cada vez mais contundente nas urnas, desferindo um coup de grâce eleitoral. De forma curta, o Muro de São Paulo continua, de forma constante, a perder força.