O vizinho do Sul

Passei o fim de semana em Ifrane, na Universidade Al Akhawayn, num seminário sobre geopolítica africana – Magrebe-África Subsaariana.

Olhamos pouco para este nosso vizinho antigo e estratégico, que é Marrocos. Com o eurocentrismo presumido e arrogante que foi também herança de Abril, habituámo-nos a olhar só para Bruxelas, pátria dos subsídios e do seguro democrático. Agora, tristes com as consequências da revolução, há quem a veja com raiva, como pátria da troika e deste Governo que os democratas de Abril, perdida a compostura, querem derrubar de qualquer maneira.

Em Ifrane sopravam outros ventos: Marrocos é uma nação muito antiga, um reino milenar independente, ainda mais velho que o reino de Portugal.

As dinastias sucederam-se ao longo do milénio e as relações com a Hispânia e os seus Estados foram também variáveis e tumultuosas. De lá vieram, em 711, Musa e Tarik, que com um exército de sírios e berberes que, graças à cumplicidade do conde Juliano, governador de Ceuta, passaram o Estreito e dominaram a Península.

E foi em Ceuta, em 1415, que D. João I e os infantes de Aviz começaram a expansão portuguesa.

Mas deixemos a História para nos ocuparmos dela. Marrocos, neste momento, é um caso singular num Magrebe que vive as consequências da frustrada primavera árabe:

Na Argélia, um quase octogenário e doente Boutflika, acabou por ser eleito Presidente, numas eleições boicotadas pela oposição; a Tunísia é uma terra de incógnitas, depois de aprovada a Constituição de 2014, sob o Governo dos islamistas 'moderados' da Ennahdha; a Líbia segue fragmentada e caótica; o Egipto voltou ao regime militar.

Marrocos conseguiu escapar a esta má sorte regional: a monarquia neutralizou pacificamente a vaga islâmico-radical e manteve um equilíbrio entre estabilidade e liberdades. Apesar de persistir a questão do Saara Ocidental, uma herança da Guerra Fria que a inércia e o lobby mantêm de pé, o país vira-se agora decisivamente para a África subsaariana e para o Atlântico. O rei Mohamed VI fez uma visita de três semanas a quatro países africanos – Mali, Costa do Marfim, Guiné-Conacri e Gabão – levando consigo uma comitiva de ministros e homens de negócios. Jogou também, estrategicamente, com o factor religioso. O soberano alauita é descendente do Profeta e 'comandante dos crentes'. Com ele, vai o Islão ortodoxo mas moderado de Marrocos, e a oferta aos clérigos dos países visitados de centenas de bolsas para estudarem no reino.

Marrocos tem a experiência e o músculo económico-financeiro – em áreas como a banca, a agricultura, a mineração, a construção civil – de que a África está carente.

A ofensiva marroquina ficou-se para já pela África francófona e próxima. Mas parece ser um começo. Por outro lado, há o Atlântico e as comunidades atlânticas da margem oeste africana e sul-americana, áreas que também têm, para nós, um apelo histórico-cultural muito importante. Faz sentido pensar nisto.