Dois olhares sobre a Europa

As vicissitudes e tragédias da Europa de hoje, desde a guerra de baixa intensidade na fronteira russo-ucraniana às tensões secessionistas no Reino Unido e em Espanha, lembram-nos que o euro-optimismo faz parte de um passado remoto. E que, ao Continente ou à sua porta, voltaram os conflitos e as mudanças de fronteiras. Como há vinte…

A ignorância média dos políticos europeus (tão clara no modo como têm lidado com Putin e a Rússia) contribui para estas crises. É como se o mundo tivesse começado com a televisão, a internet e a democracia.
Mas como não começou e como o tempo de férias é um tempo em que todos, até o mais médio dos políticos, se sentem obrigados a ler, aconselho dois livros sobre a Europa:

O primeiro é Christendom Destroyed: Europe 1517-1648, de Mark Greengrass, (Allen Lane, The Penguin Press, London, 2014) e faz parte da sua History of Europe. Mil quinhentos e dezassete é o ano das teses de Lutero contra Roma, que abriram a porta à Reforma e marcaram o fim da Cristandade; 1648 é a conclusão do período, com o termo da Guerra dos Trinta Anos pela paz de Vestefália.

Durante esses 130 anos, os europeus, católicos e protestantes de várias obediências e nacionalidades, mataram-se diligentemente em guerras civis, dinásticas, religiosas e até ‘normais’, isto é, interestatais. O que não impediu que, ao mesmo tempo, consolidassem a primeira fase da descoberta e dominação europeias dos outros continentes – América, África e Ásia. Foi também nesse tempo que nasceu a política moderna, com Maquiavel, Lípsio, Bodin e Hobbes, que trataram do Estado e da razão de Estado.

A Cristandade, que então acabava como unidade, era o termo usado também para a Europa. Grandes autores do tempo, como Montaigne e Shakespeare, não o usaram, pelo menos nesse sentido. Shakespeare fala da Europa em Muito Barulho por Nada, mas é da filha de Agenor, raptada por Júpiter.
Já Camões fala da «soberba Europa» e da «Europa cristã», privilegiando a Europa católica do sul e olhando com desprezo a «inculta Noruega» e os alemães, «soberbo gado rebelado». 

Ficamos a saber isto, e muito mais, no segundo livro que aconselho: A Ideia da Europa no Pensamento Português, de Martim de Albuquerque (Verbo, Lisboa, 2014). Trata-se da reedição de um original de 1981, depois incluído nos Estudos de Cultura Portuguesa, Vol. 1. Martim de Albuquerque tem a grande vantagem de ser um sábio erudito atento ao presente e capaz de olhar o passado à luz do que nos pode trazer para o entendimento do presente e para a preparação do futuro. Por isso, os seus escritos saem fora de uma historiografia convencional de sentido único, induzida ideologicamente e determinada pelas cartilhas progressistas. 

Esta sua análise crítica de como a cultura portuguesa e os seus grandes, de Camões e Garrett, olharam a Europa, é uma obra necessária nestes tempos quentes e decisivos da União Europeia e das nações que nela se inscrevem e reúnem. E que pode ajudar a compreender e orientar as nossas posições, como portugueses e europeus.