Ibn Saud – Rei fundador

Jacques Benoist-Méchin, o grande historiador de Weimar, pela sua História do Exército Alemão, escreveu biografias de duas personagens-chave do Próximo e Médio Oriente. Subordinou-as a uma espécie de título geral – o Lobo e o Leopardo. O Lobo referia-se a Mustafa Kemal Atatürk, o construtor da Turquia moderna, da nação turca pós-otomana: Mustapha Kémal –…

Ibn Séoud – Ou La Naissance d’un Royaume (1955), conta a vida de outro pai fundador da região – o monarca que unificou a Arábia e com ela se identificou ao ponto do Reino ter o nome da família.

Estes dois velhos livros, na edição de poche, fizeram parte das minhas leituras de férias, ao lado de contos de Scott Fitzgerald e Vladimir Nabokov e Warriors of God, um livro de Robert Kaplan sobre o Afeganistão.

Depois da arrancada dos califas sucessores de Maomé, para a conquista da região e do mundo, numa cavalgada que, em menos de um século levou o islão, a Ocidente até aos Pirenéus, e a Oriente às vertentes do Himalaia, os árabes desaparecem da História, diluídos no império turco.

No fim do século XVIII, as reformas dos waabitas e da sua aliança com o clã de Saud proporcionaram um breve ressurgir durante as guerras napoleónicas, logo abafado por Constantinopla. 

Quando Abdul Aziz (Ibn Saud, para os estrangeiros) nasceu em Riade, em 1876, as tribos de beduínos espalhavam-se e digladiavam-se por oásis e água, submetidas e manipuladas pelos turcos e seus agentes. Com a guerra de 1914-18, a derrota e o fim do Império turco, os árabes foram preteridos pelos seus rivais hachemitas, apoiados por T.E. Lawrence e por Winston Churchill.

Ibn Saud vai ser o grande unificador destas tribos e bandos desirmanados, rebeldes a qualquer unidade e disciplina. Era um homem de impressionante dimensão e força física – tinha mais de dois metros de altura – mas também de grandes sonhos, de firmes convicções, sentido estratégico, vontade inquebrantável. Ao contrário de Mustafa Kemal, optou por uma linha política assente na tradição do Islão; reconquistou as cidades de Meca e Medina, tirando o título de guardião dos lugares santos aos hachemitas, fez a fixação dos nómadas para criar uma unidade e identidade entre os ‘árabes’, jogou inteligentemente com os poderes vizinhos e com o poder imperial de Londres. E, antes de ninguém na região, entendeu-se com os americanos, quando F. D. Roosevelt calçava os sapatos dos ingleses e o petróleo aparecia em força.

No momento em que os árabes e o islão aparecem à opinião pública com o rosto bárbaro dos militantes do ISIS ou na figura de xeques sibaritas, é bom reler a biografia de um grande chefe árabe, religioso, corajoso, austero e capaz de viver e conviver com os outros povos. Um exemplo.