O fim do Grupo Espírito Santo em discurso directo

Há paredes que têm ouvidos. As do edifício do Grupo Espírito Santo (GES) na Rua de São Bernardo, em Lisboa, onde reúne o Conselho Superior da família, são exemplo do aforismo. Nos meses agitados entre a descoberta de dívidas ocultas na Espírito Santo International (holding do GES, no Luxemburgo), no final de 2013, e o…

O SOL teve acesso a esses registos, que contêm revelações surpreendentes sobre os dias que levaram à queda do maior império financeiro português das últimas décadas. No primeiro de uma série de trabalhos, abordamos hoje o desespero dos gestores na tentativa de conseguir financiamento para as holdings do grupo, cujas dificuldades financeiras eram já evidentes no início de Junho último, antes de serem conhecidas do público e ao mesmo tempo que decorria o aumento de capital do BES.

Na reunião de 2 de Junho, um mês e meio antes da detenção e constituição de arguido de Ricardo Salgado, pairava já a sombra da falência. O desespero torna-se evidente. A família chega a um consenso para a cartada de último recurso: um pedido de ajuda às autoridades portuguesas, para viabilizar um financiamento bancário de emergência – através da Caixa Geral de Depósitos – ao ramo não financeiro do grupo.

500 a 750 milhões

O plano dos membros do Conselho Superior passava por conseguir um financiamento de 500 a 750 milhões de euros e canalizá-los para a Espírito Santo International, para que esta pudesse honrar os seus compromissos. Com dificuldades em reembolsar os credores que tinham investido em títulos de dívida e que estavam já a bater-lhes à porta, acenam com o risco sistémico para que lhe seja concedido – ou pelo menos validado – um apoio financeiro em Portugal. Em troca, a família ofereceria como garantia os hotéis Tivoli e a Herdade da Comporta. O aumento de capital no BES estava a decorrer.

A meio da reunião, apesar de a ideia atropelar as regras da supervisão, Ricardo Salgado arriscou e ligou ao governador do Banco de Portugal. Não se saiu bem: Carlos Costa declinou (a linha de recapitalização é apenas para os bancos) e alertou para os riscos de contágio – ao BES e a todo o sistema bancário – das dificuldades das empresas do GES. A família vira-se para um nome de peso, Carlos Moedas, na altura secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro. Ricardo Salgado foi  de novo o interlocutor e a conversa levantou o moral do Conselho: o governante disponibilizou-se, não só para contactar o presidente da CGD, José de Matos, como para interceder junto do ministro luxemburguês da Justiça (um luso-descendente) para que Salgado pudesse ter acesso a informações sobre a investigação que a Procuradoria deste país acabara de instaurar e que caíra como uma bomba no Conselho.

Sabe-se hoje que o apoio público às empresas do grupo acabou por não se concretizar: Passos Coelho vetou tal solução. Mas a preocupação do clã com a manutenção das empresas sob controlo da família, naqueles meses, foi evidente – apesar da desconfiança reinante entre os seus elementos.

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felicia.cabrita@sol.pt e joao.madeira@sol.pt