Doclisboa: Particíp(i)o presente

Um livrinho de 90 páginas, acompanhado de um folheto, qual mapa das projecções, resume a 12.ª edição do Doclisboa. Não é exagero: quem não queira perder alguns dos 250 filmes a exibir até dia 26 deve investir tempo a estudar o programa (também em www.doclisboa.org).

“Confrontar o presente e olhar para outros tempos e territórios” é o mote deste ano, como diz Cíntia Gil, da direcção do festival. Após a sessão de abertura de ontem com Maïdan, de Sergei Loznitsa, sobre a revolta popular ucraniana que resultou na fuga do Presidente Ianukovich, é possível assistir a 32 curtas do colectivo Babylon'13 sobre o movimento de protesto, não só na praça central de Kiev, mas também em Donetsk e Sebastopol (agora sob controlo russo). Incluída na secção Cinema de Urgência, a sessão, a decorrer na quinta-feira, no São Jorge, é completada com Fuck the System, ronda em curtas por alguns países e outros tantos movimentos contra o sistema, de Portugal a Hong Kong (os recentes protestos), do Chile à Rússia, aqui com as Pussy Riot em destaque (Putin will teach you how to love). O grupo de intervenção feminino é também um dos protagonistas de Srok (amanhã e quinta-feira no São Jorge) obra estónio-russa sobre os opositores de Vladimir Putin.

Ainda sob a esfera de influência russa, há Letters to Max (hoje e quinta-feira, na Culturgest), de Eric Baudelaire (a competir nas longas-metragens), sobre a Abecázia, território que “existe sem existir”, como descreve o realizador francês. Sob a marca da actualidade do Cinema de Urgência, passa por fim, na sexta, 24, curtas sob o nome comum Fronteiras: alguns dos mais recentes conflitos (Palestina, Síria, mas também dos tumultos em Ferguson, EUA), bem como, por exemplo, uma colagem de imagens da internet pela mão do espanhol Miquel Martí Freixas. De Espanha vem ainda Ciutat Morta (quarta-feira, S. Jorge), sobre a ocupação de uma sala de cinema de Barcelona, a cidade morta, para se projectar um documentário e denunciar um caso de corrupção.

Cinema comprometido e sem cedências, como é também o caso do filme do artista Ai Weiwei sobre a acusação e detenção de que foi alvo por parte das autoridades chinesas. Ai Weiwei ¥15,220,910.50 teve sessão no dia de abertura, mas repete no domingo, no Cinema Ideal. Do país eremita vizinho e aliado de Pequim, a Coreia do Norte, há dois olhares: Tourisme International, de Marie Voignier, em estreia internacional e a competir nas curtas, e Songs from the North, de Soon-Mi Yoo. O filme da francesa (sábado no S. Jorge, quarta no City do Campo Pequeno) dá a conhecer como o país é mostrado aos visitantes, ao passo que o do sul-coreano junta material de arquivo e de propaganda para tentar entender “a psicologia e o imaginário popular dos norte-coreanos”, como escreve o autor.

Tal como Songs from the North ou Srok, inscritos na secção Investigações, está Belluscone. Una Storia Siciliana, de Franco Maresco. Um documentário em registo irónico sobre a cultura berlusconiana, tão enraizada na Sicília, a ver terça no S. Jorge ou sexta no City.

O diálogo entre presente e passado está bem presente na secção O Nosso Século XX – o Cinema Face à História e continua com uma retrospectiva do neo-realismo e dos novos realismos, “que termina nos dias de hoje, nas Filipinas, depois de um périplo por todo o mundo iniciado em Itália”, destaca Cíntia Gil.

Forte presença portuguesa

Numa edição com obras oriundas de 40 países, a programadora crê que a competição portuguesa, com “várias gerações representadas”, está “muito forte”. “Nas curtas temos o regresso ao Doc de Filipa Reis e de Miller Guerra, mas também há a destacar os filmes de Catarina Vasconcelos, ou de Mónica Baptista. E fora da competição há o filme de João Botelho, Quatro, e o de Miguel Clara Vasconcelos, Triângulo Dourado”. O único português na competição internacional de longas é Lisbon Revisited, de Edgar Pêra.

Referência ainda para a retrospectiva do holandês Johan van der Keuken (1937-2001), composta por 23 filmes. “É um autor fundamental da história do cinema documental, um verdadeiro experimentador – mas que recusou o rótulo de experimentalista – ou improvisador”, comenta Cíntia Gil. Além do mais, “deu a conhecer diferentes culturas, problematizou a linguagem do cinema e teve uma relação fortíssima com a pintura e a música jazz”. A retrospectiva prossegue em Novembro na Cinemateca.

cesar.avo@sol.pt