Paulino Spectacles: A importância de ser português

Ramiro Paulino Pereira diz que começou tudo um pouco por brincadeira. Mas será mesmo assim quando na família representa a terceira geração a trabalhar na área da óptica? Inconscientemente, admite, manteve durante anos o desejo de fazer qualquer coisa “criativa” e “inovadora”, mas como a ideia clara do que queria criar não surgia, ia distraindo…

Motivado a aprofundar a ideia de criar uma marca de óculos, Ramiro viajou, em Março de 2012, até Milão para visitar a MIDO, uma das feiras internacionais de óptica mais importantes na área. Mas acabou por vir de lá decepcionado. “Quando parti ainda não tinha completamente decidido como iria ser o processo de fabrico, mas tudo o que vi em Milão foram máquinas industriais, algo que não me agradou nada”.

A solução foi encontrada pouco tempo depois, quando conheceu a Sociel, em Gondomar, a única fábrica a produzir armações de óculos de forma artesanal em Portugal. “Adorei o processo de manufactura. Houve uma empatia grande com o dono da fábrica, e como já tinha alguns esboços as coisas avançaram”, conta, referindo-se novamente ao início da Paulino Spectacles como “uma brincadeira”, não por não ter acreditado inicialmente no projecto, mas porque foi com um investimento tímido (financeiro e de número de modelos) que arrancou.

Na Sociel – último reduto no ramo em Portugal, mas que com a associação à Paulino Spectacles tem angariado mais clientes – sentiu, também, a nostalgia de um passado que lhe é especialmente caro. Ramiro cresceu no seio de uma família de ópticos, com a primeira loja a ser aberta, em Santarém, pelo avô, no final da década de 1930. Ali, o patriarca fazia óculos à mão, sempre em acetato, personalizados à medida de cada cliente. Depois foi o pai que, nas Caldas da Rainha, continuou o ofício de família e assim introduziu o filho no “fascinante” mundo das armações artesanais. Ramiro ainda se lembra de ser criança e de ver o pai de volta da bancada dos consertos, entre parafusos, charneiras e limas, a ressuscitar peças que de outra forma teriam morte certa. Não demorou muito até que o próprio Ramiro aprendesse a fazer os arranjos. “Tentava fazer as coisas o mais perfeitas possível. Gostava de mostrar ao meu pai que era capaz, que estava a aprender. Nessas alturas até parecia que estava obcecado”. 

O encanto de infância passou, no entanto, na adolescência, ou não fosse essa a altura própria para revoltas anti-parentais. A partir dos 13 anos, o pai começou a obrigá-lo a trabalhar na óptica, mesmo aos sábados, tornando-se comum ouvir dos amigos relatos de aventuras de fim-de-semana que lamentava não poder viver na primeira pessoa. “Os tempos eram outros e uma situação destas era aceitável”, comenta agora, aos 49 anos.
Quando alcançou a maioridade e ganhou controlo sobre a sua vida, mudou-se para Lisboa e ainda ponderou fugir à tradição de família, mas a herança que recebeu do pai foi mais forte. O primeiro emprego que arranjou na capital foi na MultiOpticas, onde trabalhou durante três anos. O passo seguinte foi abrir a sua própria óptica, em Almada, e ali permaneceu até final de 2012. Em Setembro desse ano, quando fez o lançamento da Paulino Spectacles, começou a dedicar-se quase por inteiro à marca.

Com os modelos todos manufacturados em acetato, a colecção começou por ser comercializada em Lisboa (Óptica do Sacramento, Olhar de Prata e Optocentro Lisboa) e no Porto (Optocentro Porto), mas depressa se espalhou pelo país, a chegar a cidades como Braga, Coimbra, Leiria e Viana do Castelo. “E depois passámos para Paris”, relata orgulhoso Ramiro, falando com uma naturalidade que faz crer que a internacionalização foi uma extensão fácil para a marca. A verdade é que, no seu caso, até foi. “Tive conhecimento da primeira óptica em Paris [hoje a Paulino Spectacles está à venda em três lojas parisienses] através de uma entrevista que vi na Look Vision Portugal à proprietária, que é portuguesa. Contactei-a e tornou-se logo o primeiro ponto de venda fora de Portugal”, comenta Ramiro, revelando que enquanto no início era ele que procurava as parcerias, hoje são os outros que o contactam.

A par de França, a Paulino Spectacles está à venda no Reino Unido, Itália, Grécia, Islândia, Holanda, Espanha, Estados Unidos, Austrália e Japão. É o design retro e vintage – porque todos os modelos “têm de ter sempre qualquer coisa que remeta para o passado” – e o processo de manufactura que alicia as ópticas, “cada vez mais viradas para este tipo de produto”. É essa oferta muito específica que acaba por determinar as parcerias locais e mundiais que vai estabelecendo, e é também por isso que a conceituada revista britânica Monocle, uma bíblia de novas tendências, já destacou a marca nas suas páginas duas vezes, sublinhando o facto de ser um produto totalmente fabricado em Portugal.

A nacionalidade é outra característica que Ramiro faz questão de valorizar. “É um orgulho ser português e sabemos fazer coisas de imensa qualidade além dos sapatos. Interessa-me utilizar o que é nosso. É por isso que as carteiras onde guardamos os óculos [e que antes eram de cortiça] são feitas de burel, um tecido artesanal de lã, 100% português”, menciona, deixando adivinhar novos projectos com matérias-primas e técnicas nacionais que prefere ainda não revelar.

Para já destaca a mais recente novidade da Paulino Spectacles, o modelo 'Tirésias' desenhado pela actriz Joana Barrios, uma espécie de embaixadora da marca e que representa bem o seu tipo de cliente.

“Independentemente da faixa etária, quem compra Paulino Spectacles dá valor à qualidade do produto e aprecia o facto de as peças serem produzidas em pequena escala, de forma artesanal. Pelas redes sociais vou percebendo que, maioritariamente, são pessoas que trabalham ou têm alguma ligação à área do design e das artes”, descreve Ramiro.

Passeando pelas páginas de Facebook e de Instagram da marca saltam vários nomes à vista: o músico Alex D'Alva Teixeira, o estilista espanhol Assaad Awad, o actor australiano Sam Worthington (protagonista de Avatar) e a empresária Catarina Portas. “O Assaad Awad contactou-me porque queria usar os óculos num desfile. Acabou por ficar com seis para si e faz imensa promoção. Já o Sam Worthington foi a namorada, a manequim Lara Bingle, que lhe ofereceu e eu reconheci os óculos 'Diogo' numa fotografia que vi na internet”, diz Ramiro, revelando que a ligação ao passado que tanto preza está ainda nos nomes com que baptiza cada modelo: “São nomes de membros da família. A primeira armação que desenhei chama-se Sara, que era a minha avó materna”. Alberto, Piedade, Arnaldo, Martim, Branca e Ramiro são outros destes óculos made in Portugal que andam a conquistar o mundo. 

alexandra.ho@sol.pt