Os prisioneiros da suástica

Em Agosto deste ano a Tinta da China reeditou um livro que eu cobiçava há algum tempo: Entrevistas de Nuremberga, uma recolha de conversas entre o psiquiatra norte-americano Leon Goldensohn e vários responsáveis nazis que estavam presos enquanto decorriam os julgamentos de Nuremberga. A capa da nova edição mostra uma fotografia reveladora. Goering, o n.º…

Embora as entrevistas se tenham realizado em 1946, após o final da II Guerra Mundial, este livro só viu a luz do dia em 2004. Afirmou-se de imediato como um documento fundamental para compreender aquele período terrível. Mas mais do que isso: Goldensohn ocupou um lugar privilegiado – e invejado por muitos colegas de profissão, jornalistas e historiadores – para fazer luz sobre a mente e as motivações sombrias dos criminosos nazis.

Vamos agora aos depoimentos. Comecei por referir Hermann Goering, comandante da Força Aérea, presidente do Reichstag, ás da aviação, viciado em morfina e coleccionador de obras de arte saqueadas. Filho de boas famílias, afirmava ter crescido em castelos, daí o seu sentimento de superioridade. “Sou um capitalista e um cavalheiro culto”. Considerava o julgamento “uma fantochada”, mas esclareceu: “Quando me rio das provas sobre as atrocidades […] não se deve ao facto de achar isso engraçado mas porque é da minha personalidade rir-me em face da adversidade”. Acerca da morte de judeus, disse que era um acto “bárbaro” e que seria “condenada como o maior acto criminoso da história”. Não se enganou.

O testemunho de Rudolph Hoess é mais perturbador. “Eu era apenas o director do programa de extermínio em Auschwitz”. Vivia com a sua família numerosa (mulher e cinco filhos) numa casa com jardim nas imediações do campo. O psiquiatra perguntou-lhe se costumava pensar nas execuções e cremação dos corpos. “Não tenho devaneios desses”. E revelou também que nunca tinha tido pesadelos.

Joachim von Ribbentrop, embora fosse ministro dos Negócios Estrangeiros e falasse fluentemente várias línguas, só se exprimia em alemão, mesmo no estrangeiro – para imitar Hitler, diz-se. Todos os que o conheceram acusam-no de ser um homem superficial, pouco inteligente e ávido de estatuto e de prestígio. Ele defende-se: “Enquanto fui ministro dos Negócios Estrangeiros, ninguém criticou nada do que eu fazia ou dizia. Agora, de repente, todos estes arguidos acham que são mais inteligentes do que eu”.

O psiquiatra descreveu Wilhelm Keitel, o último elemento deste quarteto, como “um soldadinho de chumbo, com um sorriso afável e inexpressivo”. Este marechal adoptou a postura habitual entre os acusados: não sabia de atrocidades nenhumas, limitava-se a obedecer a ordens, nada poderia ter feito para impedir os terríveis crimes. Só suicidar-se, mas isso também não teria ajudado. Considerava Hitler “um génio” e “um homem demoníaco”. “Hitler tinha charme, adorava crianças, encantava as mulheres. Em questões políticas, nada o fazia parar. Noutros aspectos, tinha emoções suaves e comoventes”. Um génio demoníaco que adorava crianças e tinha emoções suaves. Com um ouvido apurado para a música, mas surdo aos gemidos dos seus semelhantes.