Crato e Cruz

Os dois grandes casos da rentrée – descontando o surreal ‘caso Tecnoforma’ – foram o apagão do Citius e os erros na colocação de professores em algumas escolas.

Quem só tivesse ouvido as tremendas afirmações que se fizeram, diria que a Justiça e a Educação eram duas áreas que funcionavam na perfeição – e que mergulharam no caos por causa da irresponsabilidade de dois ministros.

A Justiça portuguesa era rápida e eficaz, funcionava às mil-maravilhas, até Paula Teixeira da Cruz se lembrar de avançar com uma reforma dramática que a paralisou.

E o mesmo se pode dizer da Educação: as escolas funcionavam esplendidamente, não havia problemas, os anos escolares começavam sempre a horas, até Nuno Crato inventar novos modelos na colocação de professores que estragaram tudo. 

Claro que, perante estes 'gravíssimos' problemas, exigiu-se a demissão dos respectivos ministros.

Após a queda da Ponte de Entre-os-Rios, em 2001, o ministro das Obras Públicas, Jorge Coelho, demitiu-se. 

Apesar das consequências gravíssimas do acidente, que provocou a morte de 59 pessoas, manifestei-me contra essa demissão. 

O ministro não tinha, em princípio, qualquer responsabilidade no caso, pois não era certamente ele quem fazia as vistorias à ponte ou reparava as fendas.

Na origem da tragédia poderiam estar vários factores – desde um fenómeno natural até deficiências de inspecção – os quais dificilmente teriam alguma coisa a ver com o ministro.

Jorge Coelho invocou a “responsabilidade política” para justificar a sua saída.

Só que esse é um conceito vago, difuso e demasiado abrangente. 

Responsabilidade política é tudo e não é nada.

Nos ministérios, há um nível político e um nível técnico – devendo este funcionar independentemente de quem é o ministro, não o responsabilizando.

Mas em Portugal, quando surgem problemas de qualquer natureza, a regra é exigir a demissão dos ministros – e, quando estes se demitem, ninguém mais fala do assunto.

Sucede assim, com frequência, os ministros saírem e os problemas ficarem.

Ora, o caminho tem de ser o oposto: os ministros ficarem e os problemas serem resolvidos.

Até porque, por este andar, qualquer dia não há pessoas para os cargos.

Portugal, desde o 25 de Abril, já teve incomparavelmente mais ministros do que os grandes países da Europa (embora estes tenham problemas de muito maior dimensão para resolver do que os nossos). 

Há, pois, que começar a pensar de outra maneira.

Temos de nos habituar a viver com normalidade. 

Quando surge um problema (ou um acidente) em qualquer área, deve investigar-se a fundo a sua origem, tomando a seguir as medidas necessárias para evitar a sua repetição.

A menos que surjam acusações graves relativamente a um ministro (como suspeitas de corrupção ou actos políticos danosos), ou caso ocorra uma doença incapacitante, as demissões são de evitar, até porque têm custos muito altos. 

A responsabilidade dos ministros tem que ver com políticas e estratégias – e não com erros de execução.

Acontece que, ao nível político e estratégico, Nuno Crato e Paula Teixeira da Cruz  parecem mais dignos de elogios do que de críticas.

Crato levou o bom senso a um Ministério que desde o 25 de Abril tem navegado ao sabor de  teorias fantasistas ou dominado pela politização das questões (tendo em conta o longo consulado de um militante comunista à frente do Sindicato dos Professores).

O ministro quis repor padrões de exigência para professores e alunos, enfrentando poderes instalados, começando a fazer as mudanças necessárias.

Está no rumo certo. 

E o mesmo parece suceder com Paula Teixeira da Cruz.

Num sector dominado por poderosíssimas forças de pressão, teve o mérito de iniciar uma profunda reforma.
Rompeu hábitos instalados, desafiou uma inércia de muitos anos, e abriu caminho a um novo tempo na Justiça. 

Não sei analisar o novo Mapa Judiciário, mas uma coisa sei dizer: foi preciso coragem para o levar para a frente.

Houve problemas? 

Claro que houve!

Mas já se viram reformas sem problemas? 

E, se estivermos sempre com medo dos problemas que as reformas possam trazer, nunca reformaremos nada.
 
Isto dito, suspeito que a exigência das demissões de Nuno Crato e Teixeira da Cruz não teve essencialmente que ver com a colocação de professores ou com o Citius: estes foram apenas pretextos para os lobbies que actuam na Educação e na Justiça tentarem derrubá-los.

Nestes casos (como noutros) os lobbies lançaram os ataques, os jornalistas e os comentadores televisivos ampliaram o ruído (às vezes artificialmente), a oposição entrou na dança e tentou tirar proveito da situação – e a maioria dos cidadãos, perante o clamor mediático, não teve como não acreditar e também pediu as cabeças dos 'malandros'.

Felizmente, o primeiro-ministro é teimoso – e não vai em conversas.

jas@sol.pt