Ignorar o futuro

Em Portugal existe a tendência para ignorar deliberadamente o futuro. Há muitas coisas – a maior parte – que não se podem prever com um razoável grau de probabilidade; outras são praticamente certas, mas esforçamo-nos por não as ver. Se a provável realidade futura nos desagrada, não a encaramos.

No passado recente tivemos alguns exemplos. Em 1999 Portugal entrou para o euro. Fizemos parte do grupo de fundadores da moeda única, um desígnio nacional desde o Tratado de Maastricht, de Fevereiro de 1992.

Embora só em 1997 se tenha confirmado que estaríamos entre os países fundadores do euro, sabíamos muito antes disso que deixar de desvalorizar o escudo para concorrer impunha concretizar outros e mais sólidos meios de ganhar competitividade. Poderá dizer-se que foi demasiado elevado o câmbio na troca do escudo pelo euro. Mas essa seria uma razão adicional para Estado, sindicatos e empresas se empenharem em cumprir as exigências da moeda única.

Mas nada disto aconteceu. Não conseguindo competir no mercado externo sem desvalorização, muitas empresas voltaram-se para o mercado interno, dos chamados bens não transaccionáveis (como a distribuição alimentar).

Sem surpresa, em 2001 a China entrou para a Organização Mundial do Comércio (OMC). Como era de esperar, a concorrência chinesa, baseada na altura em salários baixíssimos, pôs fora de combate inúmeras empresas em Portugal, cujas exportações assentavam na mão-de-obra barata. O problema foi particularmente sentido nos têxteis e no vestuário, até porque acabou em 2005 (como se sabia desde há muito) o acordo no quadro da OMC que permitia algum proteccionismo nesse sector.

Também sem qualquer surpresa desde a queda do muro de Berlim 15 anos antes, em 2004 entraram na União Europeia oito países da antiga órbita soviética. Com salários mais baixos mas com melhores índices de produtividade, vários desses países eram mais competitivos do que Portugal e estavam mais perto dos grandes mercados compradores. O investimento estrangeiro esqueceu então o nosso país, voltando-se para o Leste europeu. 

É certo, e positivo, que algumas empresas nacionais de calçado e têxteis tenham conseguido vingar. Mas são uma minoria. As outras sabiam da concorrência que aí vinha, mas não se prepararam para ela. Tiveram de fechar ou de se deslocalizar para fora do país. Enquanto a mão-de-obra barata deu dinheiro, deixaram andar.

Temos agora um novo drama: empresas nacionais compradas, total ou parcialmente, por estrangeiros. Percebe-se a tristeza que tal suscita, mas qual é o espanto?

As empresas portuguesas são as mais endividadas da UE, superando em conjunto a dívida do Estado. Quando o crédito deixou de ser fácil e barato, muitas dívidas tornaram-se incomportáveis. Se não se consegue pagar as dívidas, então resta vender activos – no limite, a própria empresa.

Também aí não existe nada de surpreendente. Surpresa seria as nossas empresas não serem vendidas. Quem hoje se mostra incomodado por alguns dos nossos "campeões nacionais" irem para a mão de estrangeiros deveria ter-se preocupado, na altura própria, com o excesso de dívida empresarial. Não se quis encarar o futuro. Agora é tarde.