A desvalorização do trabalho

Um estudo conjunto da Universidade de Oxford e das empresas Deloitte e Big Four (contabilidade), divulgado este mês, prevê que nos próximos vinte anos desaparecerá mais de um terço dos actuais empregos na Grã-Bretanha. Serão postos de trabalho eliminados pelos progressos dos computadores e dos robots.

Contrariamente a outras previsões que aqui referi em anteriores artigos, o citado estudo é optimista quanto à criação de novos empregos. Estes, prevê, deverão compensar os que acabam – algo de que hoje muita gente duvida. Mas o estudo acentua um ponto preocupante: os empregos que irão desaparecer serão sobretudo os mal pagos, que têm oito vezes mais probabilidades de serem extintos do que os bem pagos.

No primeiro caso estarão actividades repetitivas e administrativas, transportes, construção, vendas, minas, etc., tarefas executadas por pessoas com qualificações baixas ou mesmo médias. No segundo caso, envolvendo os empregos mais seguros, o estudo refere computação, engenharia e ciência, permitindo lidar com novas tecnologias. O resultado será uma crescente diferença de rendimentos entre uma elite profissional e os outros.

Há quase dois meses o semanário The Economist publicou um dossier sobre os efeitos do progresso tecnológico no mundo do trabalho. Em editorial, o título resumia o essencial: “Riqueza sem trabalhadores, trabalhadores sem riqueza”.

 

Mais recentemente, a mesma revista abordou, de novo, as desigualdades de rendimentos e dizia: “Esqueçam o 1% (parte da população americana que tem arrecadado o grosso dos benefícios do progresso). São os que representam 0,01% quem realmente está a melhorar na América”. É que “os muito ricos estão a ficar ainda mais ricos”. São apenas 16 mil famílias, que agora possuem 11,2% da riqueza americana, a maior percentagem de sempre, pelo menos desde há um século.

Tenho insistido no problema das desigualdades por causa da sua gravidade – social, política, ética e até económica (os muito ricos não aumentam o consumo, pois já têm tudo). Há que combater, no plano político e fiscal, esta perigosa tendência.

As desigualdades crescentes não têm apenas a ver com a tecnologia. A entrada no mercado mundial de bens e serviços de países com salários baixíssimos afecta os trabalhadores dos países ricos que concorrem com trabalhadores desses países pobres. Por outro lado, muitas leis têm favorecido o capital, em prejuízo do trabalho, desde logo em matéria de impostos nos EUA e não só.

E há outras formas de desvalorizar os rendimentos do trabalho. Uma recente recensão de Robert Kuttner na New York Review referia uma prática em expansão: empresas que não empregam directamente os seus trabalhadores, mas o fazem através de intermediários. Assim lavam as mãos dos salários baixos que recebem os seus trabalhadores, os quais frequentemente nem têm contrato estável. Seja nos EUA, seja em filiais americanas no estrangeiro.

 

Nem por isso as empresas em causa deixam de exigir esforço e aplicação aos trabalhadores. Mas o salário que estes recebem não é com elas, nem o próprio laço contratual, o que liquida o conceito de empresa enquanto comunidade de trabalho.

Ora, tal como nos impostos, situações laborais deste tipo podem e devem ser alteradas – ou seja, proibidas – através de legislação. É uma questão de vontade política.