Papas de sarrabulho

Quando vem o frio, não há nada melhor para manter o corpo quente do que uma refeição bem calórica! É assim que, chegando Outubro, os restaurantes em Braga – e um pouco por todo o Baixo Minho – passam a apresentar ao domingo, em grande destaque nas suas ementas, as afamadas papas de sarrabulho acompanhadas…

 Não se trata dessa entrada tipo sopa, engrossada com farinha, que servem em malgas na cidade do Porto e a que também chamam papas de sarrabulho, mas sim das verdadeiras papas minhotas. Ou seja, de um prato principal, servido em panela directamente sobre a mesa, e em cuja confecção não entra nem pitada de farinha!

O que faz espessar as papas de sarrabulho minhotas são as diversas carnes que as compõem, de galinha e de porco, bem como enchidos e fressuras, tudo cuidadosamente esfiado de modo a ligar-se, ajudado por um pouco de pão, e a dar corpo ao sangue de porco coagulado que dá nome ao sarrabulho. O resto é condimentação: cominhos, cravinho da Índia, noz-moscada e pimenta, muita pimenta, branca, preta, moída e em grão…

Mas se isto já poderia empanturrar uma boca mais sensível, as papas são ainda acompanhadas pelos chamados rojões, que, para além dos ditos cujos – pedaços de carne de porco fritos em banha -, compreendem ainda outras proveniências do animal, como as tripas, os farinhatos às rodelas, o sangue e o fígado, tudo igualmente bem frito, e também castanhas e batatas alouradas aos quadrados.

Ora, começando os restaurantes, com a vinda do Outono, a ter papas de sarrabulho na sua ementa de domingo, começam também as romagens almoçadeiras das famílias pelas capelinhas gastronómicas da sua preferência, a atulharem-se com esta especialidade culinária regionalmente tão apreciada (quanto desconfiada) pelos forasteiros, num ritual que se repete semana após semana até à chegada da Primavera.

E a sua confecção e consumo são tão populares. que nem se consegue apontar um restaurante onde as papas sejam melhores ou piores que noutro: a qualidade é toda ela muito homogénea e elevada!

Mas não é prato para qualquer um. E convém ter-se estômago afeito desde tenra idade a aguentar tamanha sobredosagem de comida, bem como um palato bem treinado para se apreciarem sabores tão fortes e tão condimentados.

É que se trata de uma iguaria difícil de fazer gostar a quem não é minhoto, bastando o facto de levar sangue para afastar grande parte dos curiosos.

No entanto, uma vez iniciados na sua gustação, ficamos reféns do prazer excessivo que proporciona. E ansiosos por repetir a dose, por encher o corpo de carnes e de vinho verde – para depois passarmos a tarde nessa modorra ensonada do fazer a digestão.

E que mais podemos pedir a um prato de Inverno, servido ao domingo, se não que nos deixe suficientemente atordoados para esquecer a morrinha que invade ruas e praças e montes e campos enquanto preguiçamos numa longa sesta embalados pelo crepitar da lareira? Talvez mesmo só uma boa aguardente para ir bebericando…