Sobreviver no Inverno

OVerão é fácil em todo o lado. O Verão no Alentejo é especialmente fácil porque, como passei tantas vezes férias na costa alentejana, só o facto de calçar sandálias e estar calor logo de manhã muito cedo dá uma sensação de férias permanentes, mesmo quando vou trabalhar. E embora seja uma sensação falsa, melhora imenso…

No Inverno, a história é outra. É verdade que a praia e os campos estão lá todos no mesmo sítio mas, por não poderem ser utilizados da mesma maneira, fica todo um vazio na vida e na agenda. De repente, a sensação é a de que não há nada para fazer. É preciso inventar, elaborar planos e vencer a preguiça das distâncias, coisa a que ainda não me habituei. 

Há duas semanas, quando já andava convencida de que estaria eventualmente acostumada a esta vida que escolhi, descobri uma falha no processo: a questão das distâncias. Queria ir ver a encenação da peça Gata em Telhado de Zinco Quente a Setúbal. Já tinha perdido a oportunidade de a ver em Lisboa. Mas agora era mais perto. 

No próprio dia consultei o preço dos bilhetes e depois a distância até Setúbal: eram mais ou menos 100 quilómetros, o que perfazia cerca de 200 quilómetros para ir ao teatro. Eram muitos quilómetros para quem estava habituada a ter tudo a uma distância que nunca ultrapassava a meia hora. 

Mentalmente reconstituí os meus trajectos em Lisboa. Ia a pé até ao Metro e algumas estações depois chegava ao destino; ou, com sorte, passava um autocarro que nos servia. Mas, agora, uma coisa tão simples como ir ao teatro representa 200 quilómetros! Parecia, pois, um capricho darmo-nos ao luxo de o fazer. A distância e o cansaço acabaram por decidir por nós. Mas fiquei com medo de, um dia, deixar de querer ir ao teatro, ou de querer ir a uma exposição de fotografia, ou de querer ir ver aquele filme que não passa aqui. 

Depois desta experiência, está-se mesmo a ver que é preciso um plano. Porque, se nos formos pôr com esquisitices com as distâncias, teme-se que o Inverno seja ainda mais cinzento e longo e que a preguiça mental se instale. 

Para sobreviver ao Alentejo no Inverno é preciso mexermo-nos, continuarmos a ir para o campo e para a praia, mas com outro outfit. É preciso lembrarmo-nos de todas as coisas que não tivemos tempo de fazer no Verão, de todos os projectos, leituras e fotografias que foram adiadas. 

E é preciso, também, contrariar o hábito (que já vinha de Lisboa) de nunca me afastar de casa no Inverno, por causa da maçada que é o frio. E, para isso, talvez seja necessário fazer 200 ou mais quilómetros para ver uma peça de teatro, experimentar um restaurante novo ou revisitar e recordar outras paragens. 

Sobreviver ao Alentejo no Inverno implica ter vários planos: para dentro e fora de casa, para o bom e para o mau tempo. E no que toca a distâncias, é preciso «ir para fora cá dentro» e aproveitar também para ir para fora lá fora. 

O viajar cá dentro prevê mini viagens. São as idas a Lisboa para ver a decoração e fazer as compras de Natal (e um outro projecto que começou no Verão pelo litoral alentejano abaixo, mas que agora será para o interior do Alentejo). 

Sobreviver ao Alentejo no Inverno é uma trabalheira – mas há que viver para contar.