Balotelli porquê sempre tu?

Qual das imagens terá mais graça: a fotomontagem do meu braço a ser mordido pelo Luis Suárez ou a mensagem do Super Mário contra o racismo, em que brinca com as suas origens e acaba a dizer que apanha moedas como um judeu?

Balotelli porquê  sempre tu?

O pensamento de Mario Balotelli terá divagado mais ou menos nestes termos quando, na passada segunda-feira, decidiu publicar os dois posts nas redes sociais. Pensava ele que reuniam os ingredientes para motivar uma boa gargalhada aos seus seguidores. O resultado, como tantas vezes acontece com o avançado italiano, não foi o esperado: numa questão de horas estava a pedir desculpa e a apagar as duas piadas.

A primeira devido às críticas dos adeptos do Liverpool, clube pelo qual ainda não marcou qualquer golo na Premier League. Só por isso a brincadeira já não teria grande aceitação, mas acresce que os reds estão a realizar a pior campanha dos últimos 20 anos depois de terem perdido Luis Suárez para o Barcelona – esse, sim, um goleador idolatrado em Anfield Road.

O segundo post permaneceu mais tempo online. Perante a contestação da comunidade judaica – que o acusou de alimentar «falsos estereótipos» -, Balotelli arriscou em sua defesa: «A minha mãe é judia, por isso calem-se todos por favor». Não se calaram. E na manhã seguinte viu-se obrigado a remover a publicação. Dizia: 'Não seja racista. Seja como o Mário. Ele é um canalizador italiano criado por japoneses, que fala inglês e parece-se com um mexicano. Salta como um negro e apanha moedas como um judeu'.

«Peço desculpa se ofendi alguém. A intenção era fazer um post anti-racismo com humor», retractou-se o jogador italiano, a quem a Federação Inglesa de Futebol moveu um processo disciplinar.
Aos 24 anos, não há meio de livrar-se da fama de causar alvoroço por onde passa. No Liverpool, por mais que tenha sido avisado, o técnico Brendan Rodgers acreditou que seria capaz de 'domar' a fera. Fez-lhe ver que a história do clube não admitia jogadores indisciplinados e informou-o sobre os grandes avançados que tinham deixado marca em Anfield. Keegan, Dalglish, Rush. 

Mas Balotelli é único quando toca a criar agitação. «Podia escrever um livro de 200 páginas sobre os dois anos em que treinei o Mario. Mas não seria um drama, seria antes uma comédia», declarou à CNN, em 2012, José Mourinho, que o orientou na passagem pelo Inter de Milão (2008-2010).

Certo dia, exemplificou o treinador, foram jogar à Rússia, para a Liga dos Campeões, com o Rubin Kazan. Balotelli viu o cartão amarelo a fechar a primeira parte e não havia mais avançados disponíveis. «Passei 14 dos 15 minutos do intervalo a falar com ele: 'Mario, não te posso substituir, não tenho mais ninguém, portanto se perderes a bola não reajas, se alguém te provocar, não reajas, se o árbitro cometer um erro, não reajas'». No primeiro minuto da segunda parte, o italiano foi expulso.

Abandonado aos dois anos
 

Indomável. Ou, como prefere o seu empresário, um «espírito livre». Um dia quis marcar um penálti que estava destinado a Samuel Eto'o. O camaronês ajeitou a bola, tomou balanço e teve de aguardar. Balotelli não saía da frente, incrédulo por o companheiro não lhe fazer a vontade. Foi preciso o capitão Javier Zanetti ir buscá-lo pelo braço para o jogo prosseguir.

Numa outra ocasião, causou embaraço nas hostes do Inter quando apareceu na televisão nacional a vestir uma camisola do rival AC Milan. Pediu desculpa, mas um mês depois, ao terminar o duelo da Champions com o Barcelona, despiu a camisola e atirou-a ao chão em pleno relvado. O Inter tinha ganho por 3-1 ao super Barça de Guardiola, na primeira mão das meias-finais, mas Balotelli não conteve a frustração por ter sido assobiado pelos adeptos. No jogo seguinte dedicaram-lhe uma tarja: 'Não há tempo para pensar numa criança que não respeita a camisola'.

Ao L'Équipe, a irmã adoptiva sublinhou que «Mario sempre precisou de amor e afecto», acrescentando que «nunca admormecia sem dar a mão à mãe». A mulher em causa, Silvia Balotelli, adoptou-o quando ele tinha dois anos. Os pais biológicos, imigrantes do Gana em Itália, abandonaram-no nesses primeiros tempos de vida, passados num hospital em Brescia devido a uma malformação do intestino.
«Dizem que o abandono é uma ferida que nunca se cura. Eu digo apenas que uma criança abandonada nunca esquece», afirmou em 2008 numa entrevista à Gazzetta dello Sport, que levantava o véu sobre o seu temperamento imprevisível.

Do Inter de Milão, onde se estreou aos 17 anos, seguiu para o Manchester City em 2010. Ao fim de duas semanas em Inglaterra, desfez o seu Audi R8 num acidente a caminho do treino. Quando a Polícia questionou o porquê de transportar cinco mil libras em notas (mais de seis mil euros) no carro, respondeu: «Porque sou rico».

Balotelli foge ao padrão. Poucos jogadores de futebol teriam o atrevimento de proclamar o que ele proclamou meses depois, ao receber o prémio Golden Boy, atribuído pelo Tuttosport ao melhor jogador jovem da Europa: «Só há um jogador um pouco melhor do que eu, o Messi. Todos os outros estão atrás de mim».
A realidade está muito longe de atestar a convicção de Mario Balotelli. Mas o italiano já teve os seus momentos dentro de campo. Como os dois golos que deram o triunfo à Itália sobre a Alemanha, nas meias-finais do Euro-2012, ou os dois que marcou ao Manchester United no ano anterior, numa goleada histórica por 6-1. 

Foi nesse dia que exibiu a célebre camisola interior com a pergunta: 'Why always me?' (porquê sempre eu?). É difícil saber. Talvez sejam só coincidências. Na véspera do clássico de Manchester, o fogo-de-artifício lançado na casa-de-banho da sua mansão revelou-se má ideia. Destruiu parte da casa e Balotelli teve de chamar os bombeiros para apagar o fogo. Com ele por perto, como o treinador do Liverpool já percebeu, é fácil o ambiente incendiar.

rui.antunes@sol.pt