O biombo da RTP

Anovela em curso na RTP é uma história mal contada. E nesta não há personagem que escape. Todos perdem. O desfecho adivinha-se, mas, como é da praxe, ainda se inventam alguns mistérios para aguçar a curiosidade do público.

O enredo conta-se em dois passos: o ministro Poiares Maduro, avisado do erro de casting do seu antecessor – e não querendo para si o odioso de 'mandar' na televisão e rádio estatais -, resolveu inspirar-se na BBC e dar corpo a uma figura de estilo que responde pelo título pomposo de Conselho Geral Independente .

Escolheu (em segundas núpcias) para presidir ao novo órgão um académico como ele, e acrescentou-lhe mais cinco notabilidades.

Para travar qualquer dúvida, inchou o neófito com várias competências, entre as quais a de escolher os membros da administração e validar o respectivo projecto estratégico, competindo-lhe, ainda, propor a sua destituição, em caso de divergência insanável. Foi o que aconteceu, para desgosto de Alberto da Ponte, que esticou a corda até onde não podia.

Noutros tempos, o PS no Governo não precisava destes artifícios.

Mal chegado à Gomes Teixeira, convocava a administração da RTP e, verbalmente, comunicava aos gestores que estavam despedidos, por não serem de 'confiança política'. Foi assim, por exemplo, quando a tutela pertencia a Jorge Coelho, secundado por Arons de Carvalho, com a bênção de António Guterres.

Mudam-se os tempos, e os modelos tornam-se mais sofisticados. Passos Coelho pode agora explicar que a proposta de destituição dos administradores da RTP partiu do supervisor – território onde não interfere –, enquanto Poiares Maduro, no papel de accionista, confirmou que assinava de cruz.

Nesta nova coreografia já não figura a 'confiança política', mas sim os milhões comprometidos pela RTP nos direitos de transmissão dos jogos da Champions, que Alberto da Ponte contratou sem dar cavaco aos conselheiros.

O futebol serve à maravilha a política, o que – não sendo uma raridade – corrige uma escolha enigmática de Miguel Relvas (a quem Sócrates ficou a dever, também, o beneplácito de ter sido 'comentador' televisivo).

A nebulosa em que se converteu o conceito de serviço público serve para tudo. Cada cabeça sua sentença. A concorrência com os operadores privados alterou as regras do jogo. E, hoje, já nem a vetusta BBC se entende sobre o seu estatuto.

Com a expansão da internet, ficaram obsoletas as míticas grelhas de programação dos canais generalistas, que eram motivo para beberete e conferência de imprensa.

No futuro próximo, cada espectador elabora a sua grelha, bastando-lhe o comando e a box. O resto é a oferta pulverizada. Neste contexto, percebe-se a inutilidade do debate, se não incluir um sólido conhecimento sobre o estado da arte. Passos Coelho perdeu uma boa oportunidade para ajustar a RTP à realidade.

A vida não ficou fácil para Alberto da Ponte, decerto mais afeito à espuma das cervejas do que à dos media.

Com ordem de despejo à vista, murchou a pose. Por ironia, já se aposta que o Conselho Geral Independente não sobreviverá ao Governo que se segue. À cautela, um suposto regulador, a ERC, já passou a jogar à defesa…