Tribunais arrasam multas do Fisco

Primeiro foi o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, dois dias depois o de Mirandela. Nos dois casos, os juízes decidiram anular multas relacionadas com o não pagamento de portagens por considerarem que a decisão das Finanças não foi «devidamente fundamentada» e padecem de «nulidade insuprível».  

Tribunais arrasam multas do Fisco

«A decisão recorrida não contém factos que integrem e sustentem a contra-ordenação imputada ao arguido», sendo que a fórmula utilizada pelas Finanças ('Falta de pagamento de portagem') é «insuficiente», sublinha a  sentença do Tribunal de Mirandela. Além disso, o Fisco também não explicou por que considerou ter havido «negligência simples e não grosseira» do condutor nem fundamentou a aplicação das nove coimas: «Em lado nenhum é explicado por que foi aplicado aquele valor e não outro». 

200 coimas e dívida superior a 20 mil euros
O advogado Pedro Marinho Falcão, que impulsionou o recurso que deu origem à decisão do Tribunal de Braga, não tem dúvidas: «Começa a formar-se uma tendência jurisprudencional», defende o advogado, que tem em mãos dezenas de processos de contra-ordenação instaurados a cidadãos que se viram confrontados com dívidas fiscais astronómicas. 

Foi o caso de António (nome fictício), desempregado de 30 anos. Entre Outubro e Novembro do pano passado, recebeu em casa 200 cartas das Finanças: tudo somado, nada mais nada menos do que uma dívida superior a 20 mil euros de portagens não pagas. Tudo aconteceu em 2012, quando substituiu o cartão de débito associado ao identificador de Via Verde. Apesar de ter avisado a empresa, a alteração não foi feita de imediato. Resultado: durante mês e meio, acumulou 200 passagens não pagas. O condutor foi notificado das coimas, mas como não tinha meios económicos (está desempregado), protelou o assunto. Quase dois anos depois, veio a factura: o valor inicial de cada portagem (60 cêntimos) deu lugar a 100 euros (custos administrativos incluídos), multiplicados por 200 processos. Apesar de indignado, António já não pôde impugnar os processos, porque deixou passar o prazo legal de 20 dias para reagir. 

«Não pode haver distracções, esse prazo é de vida ou morte», lembra o advogado, que aponta, no entanto, várias lacunas na lei. «Desde logo, uma clara desproporção entre o valor da portagem e a coima. É como quem dá uma estalada e apanha pena perpétua». Por isso, defende,  a lei, «tal como está, é inconstitucional». A multiplicação de processos é outra das principais falhas na aplicação da lei: «Se são 250 coimas, não devem ser instaurados 250 processos individuais, mas um único, para evitar que o condutor tenha de apresentar 250 defesas e pagar 250 taxas de Justiça e 250 pedidos de apoio judiciário. Não faz sentido». 

Para o advogado, é ainda essencial que os condutores sejam informados de problemas técnicos nos identificadores. «Muitas pessoas não se apercebem que o dispositivo está inválido, porque não tem bateria ou está avariado ou não foi activado no multibanco. Nestes casos, devem ser logo alertados para não acumularem dívidas sem saber».

Disparam queixas ao provedor de Justiça
No dia 29 de Outubro do ano passado, Joana (nome fictício) teve uma surpresa quando consultou o portal das Finanças: uma dívida de 149,53 euros. Sem mais. Após uma troca de emails com a funcionária do Fisco, descobriu que lhe fora instaurado um processo de contra-ordenação por não ter pago uma portagem em  2011. Uma taxa  de 95 cêntimos converteu-se, entre coima e custos administrativos, em 126,93 euros (que juros de mora fizeram ascender entretanto a 149,53). Joana estranhou, pois sempre usara o identificador da Via Verde. Apesar de estar válido no momento da passagem, o dispositivo não estava associado a um cartão válido. Além disso, Joana mudara de casa e a notificação inicial do Instituto da Mobilidade e Transportes foi parar à anterior morada – isto apesar de ter feito a devida actualização da morada no registo do carro.

O provedor de Justiça tem sido chamado a actuar em casos destes. Fonte oficial da instituição explica ao SOL que se o condutor alega não ter podido liquidar as taxas antes do envio dos autos para a Autoridade Tributária, o provedor verifica, através das concessionárias ou das conservatórias do registo automóvel, a morada que constava das notificações iniciais e caso haja incorrecções, tem sido possível anular processos de contra-ordenação e de execução fiscal.

À Provedoria de Justiça têm chegado, de resto, cada vez mais queixas: 48, em 2013, e 285 no ano passado. Os condutores questionam a legitimidade do Fisco para cobrar portagens e coimas, e também o valor das multas e das custas.

sonia.graca@sol.pt