Chalaças

Dizer que os portugueses não têm sentido de humor é uma barbaridade. É acima de tudo uma afirmação falaciosa, porque os portugueses não só têm imenso sentido de humor, como são muito divertidos a pô-lo em prática, quais directores de marketing.   

Os portugueses fazem product placement do seu humor, e isso é maravilhoso porque não têm de nos esfregar na cara a piada que têm quando a fazem: é-nos entregue sob a forma de qualquer coisa que nunca é declarada canonicamente como uma piada e cabe ao espectador destrinçar se se trata de uma chalaça ou não. Por isso, penso que os portugueses são, afinal, portadores de um grandioso sentido de humor em quase todas as áreas. 
Noticiou-se que um diploma publicado em Diário da República a 15/01/2015 prevê multas para os utilizadores de transportes públicos rodoviários (autocarros e táxis) que não se portem bem. Em vez das já habituais orelhas de burro e da punição 'virados para a parede', porque já não interessa espezinhar ainda mais o utente, já que este se encontra no limite da sua resistência e não é, portanto, vantajosa a humilhação pública, os meninos e meninas que não se portarem bem nos referidos transportes públicos rodoviários serão sancionados com multas que oscilarão entre os €50 e os €250 euros. Perdoem-me, mas eu acho que isto tem imensa piada. Segue-se a lógica do fervor punitivo nacional, e isso é incrível. É o epíteto da abstracção filosófica, esta coisa da aplicação de uma fórmula em todo o tipo de contextos, e esperar para ver os resultados. 
Como se o utente ou contribuinte, ou lá o que o povo é, não estivesse já suficientemente fustigado pela carga fiscal, essa espécie de rifa em que sai sempre prémio, agora também será multado nos transportes públicos que, no fundo, transportam sujeitos passíveis de ser multados. Posto isto, acho que deveriam chamar-se 'transportes-para-quem-se-quiser-candidatar-a-pagar-mais-qualquer-coisinha-rodoviários'. 
Senão vejamos: dizia – e com razão – um senhor já na idade da reforma, no outro dia, que no tempo dele não era preciso legislar neste sentido, porque as pessoas tinham educação e não se sentavam nos lugares das grávidas. Esses ditos lugares também não estavam estabelecidos, porque quando entrava uma grávida as pessoas se levantavam naturalmente, porque – lá está – tinham educação. Não fui capaz de discordar do velhote, até porque estive grávida há muito pouco tempo e sei bem como parece mal, nos transportes públicos, nos serviços, supermercados ou parques de estacionamento, uma pessoa aparecer grávida e passar à frente daquela chusma de gente que se costuma acumular nesses sítios e 'taponar' o bom funcionamento dos mui eficazes sistemas de senhas. É verdade. Também sei, precisamente por causa desse transtorno para a população em geral, o estar grávida, que, por exemplo, em certos serviços do Estado, e mesmo na presença de uma barriga que se torna geralmente enorme lá por volta do quarto mês de gravidez, que só se acede a determinadas coisas mediante a apresentação de um certificado médico do tempo de gravidez. E também sei que, passados quatro dias de ter tido alta hospitalar, na Segurança Social, e em convalescença de uma cirurgia abdominal (no meu caso), para poder ter prioridade num serviço, teria de me fazer apresentar com o meu nado vivo. Ora bem, isto é tudo uma forma de 'O Sistema' nos divertir e nos distrair enquanto tentamos preencher todos os formulários decentemente. Eu pelo menos acho.
E também achei um piadão a esta coisa das multas nos transportes públicos rodoviários. Achei. 'Porquê só nos rodoviários?' – foi logo a minha pergunta. Mas depois achei ainda mais delicioso que o Movimento dos Utentes tenha vindo dizer que legislar não era bem a questão, o melhor seria fazer campanhas de sensibilização no sentido de levar os utentes que provocam desacatos a não o fazer, voluntariamente. Porque não basta a sinalética, é necessário esclarecer o utente mal comportado que os pés devem ir no chão e que as grávidas precisam de se sentar. E já agora, os velhos e os deficientes também. Acho giro, ponto..!
É por isto que acho que os portugueses são mesmo divertidos: encontram na demissão gradual dos seus direitos e deveres uma forma de irritar tanto o próximo, que é preciso criar uma lei (com a trabalheira que isso dá!) para impedir a perpetuação de comportamentos que não são mais do que o resultado de uma enorme preguiça. 
E isso tem graça, mas não sai de graça. 

joanabarrios.com