Ucrânia: Minsk 2.0

Maratona negocial em Minsk termina com acordo frágil que agrada mais a Putin do que à Ucrânia. Cessar-fogo começa no domingo.

Ucrânia: Minsk 2.0

O acordo de trégua entre a Ucrânia e os rebeldes separatistas, anunciado quinta-feira na capital bielorrussa, começou a ser preparado muito antes dos líderes de França, Alemanha, Ucrânia e Rússia se juntarem na noite de quarta-feira.

Além dos combates na zona de conflito – onde rebeldes e Exército lutam por território até às 00h de domingo, data do início do cessar-fogo –, as partes interessadas jogavam os seus trunfos: nos EUA, com Merkel ao seu lado, Obama juntou-se às vozes mais radicais do seu Congresso para abrir a porta ao envio de armas letais para ajudar o exército ucraniano; em Bruxelas, os ministros dos Negócios Estrangeiros dos 28 aprovaram o alargamento das sanções económicas a mais dirigentes e entidades russas mas decidiram congelá-lo até ao encontro de Minsk, o que o português Rui Machete chamou de «jogada táctica»; Putin, por sua parte, anunciou que só iria à Bielorrússia se houvesse garantias de que o acordo seria alcançável.

Solução até 2016

«Não foi a melhor noite da minha vida, mas foi uma boa manhã», disse Putin após 15 horas de negociações que se arrastaram noite fora entre o chamado quarteto da Normandia, seguida por mais uma hora passada a convencer os dois líderes das autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk a assinar o acordo que acabara de alcançar.

Menos de duas horas antes, o ucraniano Petro Porochenko abandonara mais uma vez a sala de reuniões e avançara a um repórter da AP que a postura negocial da Rússia era «inaceitável».

Declarações que atestam a fragilidade de um acordo que, tendo como base um memorando idêntico assinado na mesma cidade em Setembro de 2014 – cujos principais pilares nunca foram concretizados, possibilitando o regresso à violência poucas semanas depois –, mostra mais concessões do lado ucraniano do que de Putin e dos seus aliados separatistas.

As duas partes devem iniciar no domingo a retirada de armamento pesado, até 140 quilómetros (dependendo do alcance das armas) da linha que separará as regiões separatistas do resto da Ucrânia. A partir daí, o Governo de Kiev terá 30 dias para identificar o território que ficará incluído nas regiões de estatuto especial de Lugansk e Donetsk – daí a luta intensa dos últimos dias pelo controlo de território da região, em especial em torno da cidade de Debaltseve, situada a meio caminho entre as duas maiores cidades do leste ucraniano.

Esse estatuto especial deverá ser negociado pelo grupo de contacto trilateral, que junta representantes da Ucrânia, Rússia e separatistas. O documento, porém, define já que essas regiões deverão ter direito a constituir as suas forças policiais, a nomear procuradores e juízes. E também que Kiev não poderá destituir os membros eleitos nas regiões autónomas, que por sua vez terão liberdade para escolher a sua língua oficial. «A Rússia é um Estado Federal mas as suas regiões não podem sonhar nem com um décimo destes poderes», reagiu no Twitter o dissidente russo Alexei Navalny.

Kiev deverá ainda iniciar de imediato a restituição de apoios sociais à população do Leste, incluindo o pagamento de pensões e o regresso dos serviços bancários. E poderá voltar a controlar a fronteira com a Rússia apenas no final de 2015, quando tiver aprovado uma nova Constituição, que inclua o estatuto especial às regiões do Leste, que entretanto terão novas autoridades legitimadas por eleições locais.

Merkel diz não ter «ilusões» mas admite um «vislumbre de esperança» de um acordo que prevê a libertação de todos os prisioneiros das duas partes (seguida de uma amnistia) e a abertura de corredores humanitários para as populações mais afectadas pela violência. E que volta a dar condições aos delegados da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) monitorizarem o respeito pelo cessar-fogo com «recurso a todas as ferramentas disponíveis, incluindo satélites e drones».

Kiev chega a acordo com FMI

Com o Presidente Porochenko a negociar em Minsk – de onde seguiu para o Conselho Europeu de Bruxelas com Angela Merkel e François Hollande –, em Kiev o Governo anunciava um acordo com o FMI para receber os primeiros 15,3 mil milhões de euros de um empréstimo que ultrapassará os 40 mil milhões.

Financiamento que chegará a troco de «reformas muito duras», explicou o primeiro-ministro Arseni Iatseniuk. O combate à corrupção, a reforma do sector energético e a diminuição da burocracia acompanham o inevitável corte na despesa pública entre as exigências do FMI.

A líder do fundo monetário, Christine Lagarde, concordou que se trata de um «programa ambicioso, difícil e que comporta riscos», mas diz acreditar num Governo de Kiev cujas primeiras reformas «não só alcançaram os objectivos para este ano como excederam as expectativas».

Após um ano em que a sua moeda desvalorizou 50% e a economia caiu 7,5%, Iatseniuk diz que o crescimento voltará em 2016 se as reformas forem acompanhadas pelo fim da «agressão russa».