A ponte de Fão

Quando o Rio Cávado se apresta a desaguar no Atlântico, já estuário de águas salobras sujeito aos humores das marés, é atravessado por uma esguia ponte metálica que une o antigo povoado piscatório de Fão à marginal ribeirinha de Esposende, a sede do concelho.   

Antes da expansão do núcleo urbano da freguesia em direcção ao mar – acompanhando a procura de residências de veraneio incutida pela generalização do direito a férias e do crédito à habitação -, Fão era um amontoado desordenado de casario, formando ruas e vielas estreitas e sinuosas, anichado entre a ponte e o rio. 
A ponte era parte integrante da fisionomia da povoação e era o seu limite; para lá da ponte, em direcção ao mar, passava a ser Ofir: o pinhal de Ofir, a península de Ofir, a praia de Ofir… 

Esta era a zona rica, de luxuosas vivendas espalhadas pelo pinhal, pertencentes à burguesia do Porto e de Braga, e de unidades hoteleiras – o Hotel de Ofir, o Hotel do Pinhal, a Estalagem do Rio – assaz frequentadas por turistas inglesas e suecas, responsáveis pela iniciação sexual de muitos jovens nortenhos nesses anos 60 de todas as libertações… 

Hoje já não é assim: Fão e Ofir miscigenizaram-se, deixando de ser a praia selecta desses tempos, igualada pela massificação a todas as outras praias do Norte. Resta a ponte de Fão, e o velho povoado a si anichado que lhe dá o nome, como memória dessa graciosidade das coisas únicas. 
E se a urbe que se estende à beira-rio já não é uma urbe piscatória, mantém ainda todas as suas características arquitectónicas originais. Tal como a ponte, apesar de o seu tabuleiro já não ser em madeira, como aquando da sua inauguração em 1892, mas asfaltado. 

Dizem que o responsável pela concepção da ponte foi Gustave Eiffel, então a viver em Portugal, na vizinha cidade de Barcelos, embora a obra seja oficialmente atribuída a um outro francês, o engenheiro Reynaud. 
É uma ponte rodoviária e pedonal, típica da arquitectura do ferro. O tabuleiro rodoviário tem uma largura de 5,65m – hoje estreito para se cruzarem dois carros – e é marginado por altos resguardos em treliça de ferro, formando quase um túnel. 

De cada lado, para lá dos resguardos, ficam os tabuleiros pedonais, cada um com cerca de 1,5m de largura, ladeados por peitoris também de ferro. Os 260 metros da ponte ficam assentes em sete pilares construídos com blocos de granito. São estas características que lhe dão o ar esguio, quase uma linha dupla sobre o rio, apoiada em ritmados suportes maciços. 

Quando era miúdo gostava de atravessar a ponte de bicicleta pelo tabuleiro pedonal e tentar não chocar com os punhos nos resguardos de ferro, sobretudo quando me cruzava com um (raro) peão ou quando passava pelos pescadores que estendiam as suas canas no parapeito. 

Muitas vezes, em tardes de maré cheia, parava a ver o Miguel Pedro e amigos a mergulharem lá de cima para o rio, ainda longe de imaginar que um dia o iria conhecer, que ele iria ser baterista e que ficaríamos mais de trinta anos a fazer música em conjunto…
Em 1986 a ponte de Fão, cujo nome oficial é Ponte Luís Filipe, foi classificada Imóvel de Interesse Público.