Queixa contra ministra da Justiça

Numa queixa-crime contra a ministra da Justiça que apresentaram esta semana, dois ex-técnicos do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) acusam Paula Teixeira da Cruz do crime de denúncia caluniosa. Isto porque, alegam, tentou incriminá-los pelo bloqueio do sistema informático dos tribunais para salvar a sua imagem pública.

Ao que o SOL apurou, Hugo Tavares e Paulo Queirós, afastados do Instituto  (IGFEJ) na sequência deste processo, alegam que foram indiciados por sabotagem informática do Citius sem que existissem quaisquer indícios desse crime, nem mesmo no relatório interno de averiguações feito pela direcção daquele organismo.
Os dois técnicos salientam que nunca foi pedida pelos seus superiores ou pelo Ministério da Justiça qualquer peritagem interna ao Citius que permitiria averiguar a existência ou não de vestígios de sabotagem – e que, por isso, esse crime foi invocado por Paula Teixeira da Cruz sem qualquer fundamento.

Segundo o SOL apurou, o despacho em que a ministra remeteu o caso para o Ministério Público é uma das 'armas'  usadas na queixa dos funcionários, apresentada no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa. 

A governante  invocou explicitamente o crime de sabotagem informática agravada no pedido feito, a 24 de Outubro passado, à Procuradoria-Geral da República (PGR), para averiguação do caso. Um despacho onde vai muito mais longe do que o secretário de Estado da Justiça, António Costa Moura, que tem a tutela do IGFEJ.

Num despacho anterior, este pedira  uma averiguação disciplinar e “eventualmente criminal” às falhas do Instituto na adaptação da plataforma informática ao novo mapa judiciário, que bloqueou a 1 de Setembro, com a migração de 3,5 milhões de processos. 

Crime punido até três anos

O desgaste político e na opinião pública provocado por este colapso – que paralisou os tribunais durante mais de um mês – é apontado na queixa como a justificação para a forma como Teixeira da Cruz actuou neste caso, sabe o SOL. Ou seja, alegam os queixosos, a ministra terá agido com  consciência da falsidade quando lançou as suspeitas da prática de crime para salvar a sua imagem. Para o crime de denúncia caluniosa a lei prevê uma pena de três anos de prisão ou multa.

Um dos exemplos apontados como prova dessa gestão mediático é o facto de, ainda antes daquele  despacho da governante chegar à PGR para abertura de inquérito, terem sido publicadas pelos media várias notícias dando conta de indícios de crime no crash do Citius.

O Ministério Público acabaria por arquivar a investigação em 15 dias, concluindo não haver quaisquer indícios de crime. Hugo Tavares e Paulo Queirós foram ilibados mas já tinham sido afastados “por falta de confiança” dos departamentos que dirigiam e coordenavam no IGFEJ, tendo regressado à Polícia Judiciária (PJ) de onde tinham sido requisitados em comissão de serviço em 2012.

Por conhecer estão ainda os resultados do inquérito  disciplinar interno pedido pelo Ministério da Justiça. Igualmente em curso está  uma auditoria ao sistema informático da Justiça, que foi recomendada pela Inspecção-Geral da Justiça. 

Dificuldades na migração eram conhecidas

O crash do Citius acabaria por  arrastar também a cúpula do IGFEJ: o presidente Rui Mateus Pereira e o vogal Carlos Brito foram exonerados no início de Janeiro passado, depois de terem recusado demitir-se. Foram acusados, pelo secretário de Estado Costa Moura, de falta de capacidade “para conduzir com eficácia” a adaptação do sistema à nova organização dos tribunais e de “flagrantes contradições” na informação prestada à tutela neste processo.

Foram estes dois responsáveis   os autores do relatório interno entregue à ministra que apontava a omissão de informação por parte de Hugo Tavares e Paulo Queirós sobre os problemas na migração dos processos. Mas, quando foram ouvidos no inquérito às suspeitas de sabotagem, prestaram declarações contraditórias, acabando por admitir que não só a informação foi prestada internamente, como as dificuldades em fazer a migração em simultâneo de milhões de processos até ao início de Setembro eram conhecidas. 

Carlos Brito chegou mesmo a reconhecer que o “IGFEJ pediu superiormente uma suspensão da actividade dos tribunais por 10 dias [ainda em Agosto] mas assim não veio a acontecer”.  Não identificou, porém, quem recusou essa suspensão. 

Os dois dirigentes, que contestam a demissão, foram afastados sem direito a indemnização. Consideraram ser vítimas de perseguição e ameaçaram avançar também com uma queixa-crime contra a ministra.

Despacho da ministra é um das 'armas' usadas na queixa

Depois do crash, em Setembro, o Citius só voltou a funcionar em pleno quatro meses após a entrada em vigor da nova organização dos tribunais. O Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça (IGFEJ) confirmou que a 31 de Dezembro o sistema estava “totalmente operacional”, pondo fim ao regime excepcional de suspensão de prazos e de entrega de requerimentos e outras peças processuais em papel, que tinham voltado a ser autorizados como forma de contornar o bloqueio informático.

Advogados, funcionários e magistrados têm-se queixado, porém, de anomalias pontuais no sistema, como a falta de apensos e de volumes de processos, que têm vindo a ser recuperados progressivamente pelo IGFEJ.

joana.f.costa@sol.pt