Jovens: Do lar para a reclusão

Há dezenas de jovens internados nos centros educativos (CE) por terem cometido crimes quando tinham entre os 12 e os 16 anos que vieram directamente dos lares de infância e juventude. Ou seja, que foram acolhidos em instituições do Estado para serem protegidos – da negligência ou dos maus tratos dos pais –, mas ninguém…

No CE Padre António Oliveira, em Caxias, 21 jovens cumprem medida de internamento (a mais grave do sistema tutelar educativo): nove vieram de instituições (40%), 15 da família. A grande maioria (76%) já teve uma medida de promoção e protecção, o que significa que os jovens foram acompanhados pelas comissões de menores e pelos tribunais por estarem em risco.

No Centro Educativo de Santo António, no Porto, os jovens que passaram pelo sistema de acolhimento são quase tantos como os que estavam na família: dos 33 internados, quatro vieram directamente de instituições, mas outros 13 já lá tinham passado.

A “transição” das crianças e jovens do sistema de promoção e protecção para o sistema tutelar educativo – onde são punidos por crimes cometidos antes dos 16 anos –, é cada vez mais preocupante, alertam os especialistas ouvidos pelo SOL. Magistrados e técnicos não acreditam, por isso, que a nova lei tutelar educativa, em vigor há menos de uma semana, venha atenuar o problema da justiça juvenil.

“O mais assustador é que estes miúdos foram retirados da família porque estavam em perigo e alguns acabaram por cometer crimes dentro da própria instituição”, disse ao SOL Maria do Carmo Peralta, presidente da Comissão de Acompanhamento dos Centros Educativos. Roubos, furtos e abusos sexuais são os crimes mais comuns cometidos pelos 198 jovens que estão actualmente nos seis centros do país. Mas aqui há também condenados por crimes mais graves, como homicídios.

No total das 1.639 medidas tutelares em execução em 2013, 287 (17,5%) eram internamentos em centro educativo. Ou seja, a maioria das medidas passava por obrigações cumpridas no exterior. Os números mostram ainda uma tendência de diminuição dos processos tutelares e dos internamentos desde 2011. Os centros educativos também já não estão sobrelotados, como ocorreu no Verão, quando fechou o centro de Santa Clara.

Passam por dezenas de técnicos antes do crime

Maria do Carmo Peralta reconhece as melhorias da nova lei (ver caixa) mas considera que o problema está a montante da justiça juvenil. “Há falta de políticas públicas eficazes de prevenção que façam o acompanhamento sério destas famílias e não passem só por dar-lhes subsídios ou habitação”, diz a procuradora-geral adjunta, criticando também o funcionamento de alguns lares.

André Rodrigues, investigador na área da delinquência juvenil, tem outros dados que evidenciam esta realidade. Ao analisar 200 jovens com medida tutelar aplicada pelo Tribunal de Família e Menores de Lisboa em 2009, concluiu que 41% já tinham estado em lares de promoção e protecção.

O perfil destes jovens é claro: 64% chumbaram mais de três vezes, 80% viviam em bairros sociais, 67,5% usufruíam do rendimento social de inserção, 63% já tinham tido medida de promoção, 40% tinham pelo menos um familiar preso, 43% queixas de violência doméstica na família e 83% sido referenciados pelo sistema de justiça. “Passaram por seis equipas técnicas: da Segurança Social, autarquia, polícia, comissão de menores, reinserção social e do sistema tutelar educativo. Mas as intervenções não evitaram que viessem a cometer crimes”, disse ao SOL.

Mais velhos, com consumos e problemas do foro mental

Travar esta escalada de problemas é muito difícil, sublinha Fátima Duarte, da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco. “Quem está em perigo é muito mais vulnerável à delinquência. Quando estes jovens chegam às instituições de acolhimento já vêm com histórias de vida muito complicadas”, diz, sublinhando a desestruturação familiar comum a estes casos. Há ainda outro problema, alerta: “a partir dos 13, 14 anos nem sequer há instituições para colocá-los. Têm medida de acolhimento decretada e não há vaga”.

O investigador André Rodrigues diz que o perfil de quem entra no sistema de acolhimento mudou muito nos últimos anos. São mais velhos, têm problemas mais complexos (saúde mental, dependências, comportamentos desviantes) e muitos têm indícios de pre-delinquência. “Acolher já não é só dar cama, comida e roupa lavada. Só são acolhidos no limite e o sistema não tem ferramentas para intervir”.

A pedido dos tribunais, a psicóloga forense Rute Agulhas faz a avaliação pericial de jovens que cometeram crimes, entre os quais estão muitos já sinalizados em criança por estarem em risco. “Atestamos se têm traços de psicopatia avaliando o crime, as motivações, vendo se este foi premeditado, impulsivo, se o jovem agiu para tirar prazer ou para ser aceite num grupo”, explicou ao SOL. Nessa avaliação, os técnicos vão à raiz dos problemas. “Há quase sempre um somatório de factores de risco. Há miúdos que já desde muito novos testam os limite. Mas se não têm supervisão parental, são mal tratados ou crescem num ambiente onde a violência é uma forma legítima de se ter o que se quer, tudo piora”, sublinha a perita forense.

Idade penal nos 18 anos?

O subdirector da Direcção-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Licínio Lima, também admite a “dificuldade em acabar com a linha contínua que leva os miúdos da promoção e protecção ao tutelar educativo e depois à prisão”. Ao SOL, defendeu, por isso, “uma nova política para a infância e juventude e uma tutela conjunta sobre estes dois sistemas, embora com identidades diferentes e sem permitir que os jovens se misturassem”.

Licínio Lima também não esconde que seria desejável aumentar a maioridade penal para os 18 anos. Uma ideia que agrada aos outros especialistas ouvidos pelo SOL.

rita.carvalho@sol.pt