Quando os jovens choram

Num liceu central de Lisboa, como certamente acontecerá em muitos outros lugares, alunos do 11.º ano estiveram dois meses sem aulas de Matemática, antes e depois do Natal.

A professora em causa foi metendo baixas médicas intercaladas, o que impediu a sua substituição.

Situações como esta torpedeiam a igualdade de acesso ao ensino: os estudantes cujos pais podem pagar explicações privadas ou têm conhecimentos nessa área de estudo ficam em vantagem sobre os que não têm possibilidade de recorrer a ajudas suplementares. Assim se perpetua a discriminação entre ricos e pobres, assim se fomenta nos mais novos o sentimento da injustiça social, que gera indignação, violência e miséria.

O actual ministro da Educação, antes de o ser, levou décadas a pregar – e bem – sobre a indispensabilidade de uma forte formação em matemática, demonstrando que o domínio desta área do conhecimento é fundamental para a própria organização do raciocínio e influi na aprendizagem de todas as outras matérias.

Embora nada substitua um bom professor, a falha de aulas de História, Geografia, Economia ou mesmo Filosofia pode suprir-se em última análise, através dos livros. A Matemática – como as línguas, a começar pela língua materna – exige um acompanhamento permanente, diálogo, partilha de raciocínios. E exercícios, muitos exercícios. É uma ginástica mental.

Substituída finalmente a professora em falta, volvido um par de semanas os alunos foram submetidos a um teste – e nenhum foi capaz de o completar.

No fim, mais de metade da turma ficou a chorar. Alguns choravam com medo dos castigos caseiros; a maioria chorava por medo de perder a média escolar que lhes permitirá concorrer a bolsas, continuar a estudar e eventualmente alcançar a miragem de um bom emprego. Um país que educa através da angústia da classificação e do pânico do futuro é um país perdido.

O 'discurso da cobrança', em que a nova geração tem vindo a ser criada – e não só em Portugal – é, além de esterilizante, perigoso.

Este discurso de competição exacerbada serve de rastilho ao jihadismo: num mundo sem horizontes e sobrecarregado de exigências, os carrascos profissionais arrebanham com facilidade vítimas tenras. Começam por agir como pais benevolentes, desresponsabilizadores, mobilizando depois a heróica capacidade de entrega que é o fulgor da juventude – e que a ausência de esperança pode tornar trágica.

Tenho palestrado sobre livros e leitura em escolas de norte a sul e verifico que os pré-avisos assustadores dos responsáveis (que os jovens são irrequietos, desatentos, imunes a qualquer mensagem sobre literatura ou arte) nunca se concretizam.

Pelo contrário: mesmo em escolas ditas de “intervenção prioritária” (ah, estes chavões separatistas), encontro fascínio silencioso pela descoberta de um poema de Camões, Sophia, Pessoa ou Drummond de Andrade. A questão é dar-lhos a ouvir, a ler, a sentir.

O que é bom pertence-nos imediatamente. Precisamos de confiar nos mais novos, de acreditar nos seus talentos, em vez de os culpabilizarmos antecipadamente pelos futuros sombrios que são o nosso fantasma e o nosso tosco modo de afirmação.

Woody Allen resumiu tudo isto há um ror de anos, na frase final de Manhattan, dita pela voz límpida da então adolescente Muriel Hemingway: “Temos de ter um bocadinho de fé nas pessoas”.