Os Espíritos Santos vendem os anéis

Não é para levar à letra, pois os anéis em si talvez se mantenham na família. Mas sim para recordar a frase ‘vendam-se os anéis e mantenham-se os dedos’.

O DN anunciava ontem na 1ª página, com continuação na seguinte, que uma tia de Ricardo Salgado vai vender a sua colecção particular na Christie’s, em Londres. Esta tia é uma das 4 filhas do Ricardo Espírito Santo que foi presidente do BES, e que era o maior coleccionador português da sua época, figurando ainda como o instituidor da Fundação Ricardo Espírito Santo. A senhora que vai pôr à venda a sua colecção chama-se Ana Maria Espírito Santo Bustorf da Silva, porque se casou em 1949 com o advogado António Bustorf da Silva. As outras filhas eram Mª da Conceição (mãe de Ricardo Salgado), Vera e Rita.

Das peças em leilão em Londres, segundo ainda o DN, constam vários móveis franceses do Séc. XVIII assinados (como era costume os grandes marceneiros da altura fazerem em França) e uma taça de porcelana chinesa decorada a partir de uma pintura de Hogarth. A Christie’s ainda apregoa a venda, procurando beneficiar não só os compradores, como a vendedora – e, naturalmente, ela própria.

Tanto quanto sei, o maior coleccionador da Família Espírito Santo a seguir a este Ricardo foi o seu sobrinho António (tio de Ricardo Salgado e irmão de José Manuel Espírito Santo), que presidiu à Fundação até à sua morte. A sua colecção foi leiloada a semana passada pelo Correio Velho, em Lisboa, na maior discrição – uma discrição mesmo incompreensível, já que para qualquer comprador as peças provenientes das colecções destas pessoas têm com certeza maiores garantias de serem autênticas, dados os meios e os conselheiros com que eles as adquiriam. Não entendo porque o Correio Velho não usou essa mais valia no leilão da colecção António Espírito Santo, que se realizou na semana passada. E de onde saiu, por exemplo, um primitivo do Mestre de Santa Clara para o Museu Nacional de Arte Antiga, por um preço irrisório. E outro quadro, atribuído a Nicolas Poussin (famosíssimo pintor francês do Séc. XVII), mas sem todas as garantias de ser ou não dele, também saiu a um preço irrisório (quem me dera ter ficado com ele).

Parece que não saíram várias faianças da sua colecção – que era a melhor colecção portuguesa de faianças antigas, devidamente catalogada – talvez por compradores e leiloeiros não fazerem ideia do que tinham ali em mãos.

Mas é isso: depois da crise, os Espíritos Santos tentam salvar os dedos – uns, em Londres, melhor do que outros, em Lisboa.