Corredor da morte

Quando os investigadores franceses revelaram que as suas primeiras conclusões indicavam que o co-piloto Andreas Lubitz tivera “intenção de destruir o avião”, o presidente executivo da Lufthansa, Carsten Spohr, desabafou: “É uma mudança trágica, não conseguia imaginar que a situação se tornasse ainda pior”.

Corredor da  morte

Em 48 horas, a morte de 150 pessoas numa montanha dos Alpes franceses passara de um terrível acidente sem explicação para um crime brutal, perpetrado por um jovem de 27 anos cujo sonho de vida fora realizado em Setembro de 2013, data em que se tornou co-piloto da Germanwings, transportadora lowcost do grupo Lufthansa.

Em Montabaur, cidade de 12 mil habitantes no estado alemão da Renânia-Palatinado, tentava-se encontrar pistas que levassem a perceber o que motivou o jovem local a cometer tamanha atrocidade. O facto de “poder viver do seu maior hobby” é precisamente o que levou Klaus Ratke, presidente do clube aéreo LSC Westerwald, a dizer ao El País que não consegue “encontrar uma explicação”.

Foi em 2002 que Ratke recebeu no clube o filho de um administrador de empresas e de uma instrutora de piano que, aos 14 anos, assumia o sonho de se querer tornar piloto. Dois anos depois, Andreas Lubitz estreava-se a completar a sós uma pequena viagem de ultraleve, conta o Telegraph.

Os estudos foram acabados em Montabaur, onde os vizinhos como Johannes Rossbach recordam um jovem “reservado mas muito bem-educado”, que fazia sempre questão de cumprimentar os conterrâneos quando se cruzava com estes durante as suas habituais sessões de jogging. Tal como a aviação, a corrida era uma das paixões de Lubitz: o site oficial da meia-maratona de Frankfurt, patrocinada pela Lufthansa, confirma a presença nas edições entre 2011 e 2013, com um recorde pessoal de 1h37m na distância de 21 quilómetros. 

Aos 19 anos, Andreas começou a arranjar forma de financiar a sua formação para piloto de aviões comerciais.  Tornou-se cozinheiro num Burguer King da sua cidade, onde terá iniciado uma relação com uma empregada, namoro que viria a manter até ao dia em que decidiu guiar um Airbus A-320 contra uma montanha.

Também os colegas da hamburgueria recordam a paixão que Lubitz tinha por aviões, até porque a razão que apresentou para justificar a saída do restaurante foi a inscrição na escola de voo da Lufthansa, que em 2008 o levou a mudar de armas e bagagens para Bremen.

Entre o Norte da Alemanha e um centro de treino aéreo da Lufthansa no Arizona, Estados Unidos, Lubitz perseguia o seu sonho sem percalços. Até que, como informou o presidente executivo da transportadora germânica na semana passada, um problema clínico interrompeu a sua formação.

Como a lei germânica impede as empresas de ter acesso aos registos clínicos dos seus trabalhadores, só esta semana se soube que a baixa foi motivada por um problema psicossomático. Sem especificar datas, o procurador de Düsseldorf, Christoph Kumpa, confirmou que Lubitz recebeu “tratamento de um psicoterapeuta devido a tendências suicidas documentadas”. 

Esclarecendo que esse facto se passou “vários anos antes” de Lubitz obter a licença de piloto de aviões comerciais, o investigador acrescentou que o co-piloto da Germanwings foi posteriormente observado por outros especialistas, chegando a ser declarado de baixa sem que então houvesse “qualquer nota sobre tendências suicidas ou de agressividade em relação a terceiros”.

Todo esse registo clínico, incluindo o papel rasgado da baixa, que abrangia dia do acidente, foi encontrado nas suas residências  – a de família, em Montabaur, e a pessoal, na cidade de Düsseldorf, o suposto destino final do voo 9525 da Germanwings. E tudo se passou sem conhecimento da maior transportadora aérea da Alemanha, que assim permitiu o regresso de Lubitz ao curso de formação e a sua posterior entrada no quadro de pessoal da empresa.

Spohr garante que quando regressou da baixa, Lubitz “foi novamente sujeito aos testes físicos e psicológicos, tendo sido considerado 100% apto a voar, sem qualquer limitação”. Com a licença na mão, entrou no grupo como assistente de bordo, esperando uma vaga entre pilotos. Desde que se estreou nos cockpits da companhia lowcost até à viagem de 24 de Março, Lubitz somou 630 horas de voo.

O que o terá levado a acabar com o sonho de uma vida, levando com ele outros 149, é agora o centro da investigação franco-germânica e da especulação da imprensa, a começar na Alemanha.

Durante a semana do desastre, o Bild publicou uma entrevista com uma assistente de bordo que, pedindo anonimato, diz ter ouvido palavras assustadoras durante a relação que manteve com Lubitz em 2014: “Disse-me que iria fazer algo que mudaria o sistema inteiro e que todo o mundo viria a saber o nome dele”. 

Dias depois, o Bild Am Sonntag – versão dominical do mesmo jornal, feita por outra redacção – apresentava em primeira mão uma notícia que desmentia a sua publicação-irmã. A namorada que Lubitz conhecera no Burguer King, que entretanto se tornara professora, terá revelado aos seus alunos há poucas semanas que está grávida do responsável pelo acidente.

nuno.e.lima@sol.pt