Sara-a-Dias: uma vida em cartoons

Sara Osório passou grande parte da sua vida a ignorar o talento para o desenho. Quando finalmente decidiu enveredar pelo mundo das artes, criou o blogue Sara-a-Dias, onde publica cartoons que ilustram as peripécias do quotidiano. Agora, acaba de publicar o livro A minha mãe acha que fui trocada à nascença, em que dá a conhecer a autora por…

Foi no chuvoso dia 5 de Março de 2012 que Sara Osório tomou uma decisão que iria mudar-lhe a vida. “Estava uma chuva torrencial, o meu saco de papel rasgou-se e eu deixei cair todos os meus tupperwares no chão. Quando dei por mim, tinha toda a gente a olhar. Foi aí decidi que ia contar esta história, mas por via da ilustração”, recorda a jovem de 28 anos. Acabava assim de nascer o projecto Sara-a-Dias. A apresentação do livro realizou-se precisamente três anos depois, no início de Março 2015 – também num dia de chuva.

Foram precisas quase duas décadas para que Sara Osório se decidisse a abraçar um talento que ia pondo de lado. Os “rabiscos”, como lhes chama, sempre estiveram presentes na sua vida, especialmente quando ia passar férias no campo com os avós, e reproduzia personagens da Disney para se entreter. Passou a infância a ler os livros da Turma da Mônica e do Tio Patinhas.

Na escola, também praticava o desenho, sobretudo nos papéis com mensagens que trocava com as colegas durante as aulas. Sara recorda quando uma dessas mensagens, com um desenho fálico, foi apanhada pela professora: “Chorei imenso porque estava cheia de medo que contassem aos meus pais. E a minha amiga, que ia receber o papelinho, ainda hoje não sabe o que tinha desenhado”.

A insegurança relativamente ao seu talento fez com que a ilustradora partilhasse pouco a sua arte. “Achava que o meu tipo de cartoon era engraçado, mas só para mim e para os meus amigos. Achava que os desenhos dos outros eram melhores que os meus”.

O desenho só voltou a ganhar uma presença mais forte na vida de Sara depois de ter tirado o curso de Ciências da Comunicação e de a irmã lhe ter arranjado um emprego, que mantém ao fim de oito anos. “Toda a gente me dizia para parar de me queixar”. Decidiu então apostar no seu talento e fez um curso de Design na Restart. “Foi a primeira vez, ao fim de tantos anos, que me dediquei ao desenho. Todos os trabalhos que eu fazia no curso levavam-me para a ilustração e foi aí que o 'bichinho' voltou”.

Pouco tempo depois, já estava a ilustrar um livro infantil e participar em vários concursos ligados ao desenho. “Nessa altura, continuava a pensar como é que havia de fazer para entrar no meio, porque não conhecia ninguém”. E é aqui que entra a chuva, mais concretamente o episódio dos tupperwares que a levou a criar o projecto Sara-a-Dias, nome baseado num dos seus apelidos (Osório Dias) e no facto de se propor a retratar episódios do dia-a-dia. A protagonista é uma boneca ruiva, com muitos caracóis e poucas semelhanças com a sua criadora. “O cabelo é uma homenagem aos caracóis que tive em tempos. Vários amigos já me disseram que precisava de fazer um extreme makeover à boneca, mas ela funciona como um alter-ego, como se fosse uma amiga imaginária”. A identificação é tão grande que a autora chega a confundir-se com a sua personagem: “Já me aconteceu apresentar-me como Sara-a-Dias e não Sara Osório”.

Sara publica os cartoons no seu blogue e em várias redes sociais, nomeadamente o Facebook, onde conta já com nove mil likes. Alguns desenhos tiveram um sucesso estrondoso, como aquele sobre a bloguer que disse que o seu maior sonho era ter uma mala Chanel. Destaca ainda um cartoon sobre a linha verde do metro de Lisboa que chegou a ser partilhado por um maquinista ou outro sobre as mulheres que se despem sem qualquer pudor nos balneários dos ginásios. Tudo num tom irónico. “Chego a muita gente porque são histórias que as pessoas também vivem”.

Com o sucesso do blogue, Sara já faz “ilustrações para fora”. Isto é, desenha para livros, para blogues, faz ilustrações para encomendas particulares, cartoons para filmes animados e até para publicidade.

Este mês, os cartoons de Sara passaram da internet para o papel impresso, através de um livro onde a ilustradora dá a conhecer a pessoa por trás da boneca ruiva. O título A minha mãe acha que fui trocada à nascença é quase uma piada privada de família. “Durante vários anos, a minha mãe olhava para mim e dizia: 'Não és parecida com ninguém!'“. O projecto precisou de dois meses “de isolamento” e conta com humor vários episódios da vida da autora: a infância em Moscavide, a família, as aventuras na escola, as primeiras paixões, trabalhos temporários da faculdade. “Agora que publiquei o livro, tenho a minha avó a dizer-me que temos de nos sentar, uma tarde, para ela me contar as suas histórias e fazer um outro livro”.

Apesar do sucesso dos seus cartoons, a ilustradora não tenciona largar o emprego para se dedicar àquilo que mais gosta. Por enquanto vai continuar em modo pós-laboral: “Ainda não ganhei a 'raspadinha pé-de-meia' para que a Sara-a-Dias passe a funcionar das 9h às 18h”.

rita.porto@sol.pt