Revolução

Quando triunfou o levantamento tunisino, escrevi sobre a hipótese de estarmos perante uma ‘revolução por contágio’. Dois meses depois, os protestos e as sublevações contaminaram Marrocos e a Líbia, a Jordânia e a Síria, o Iémen e o Bahrein.

primeira constatação: este é um movimento revolucionário que não conhece fronteiras no interior do mundo árabe.

esta é uma vaga que se dirige contra regimes autoritários e ditaduras, sejam monárquicas ou republicanas, nacionalistas ou subordinadas aos eua, laicas ou confessionais.

o movimento aspira ao estado de direito e à democracia. promete transformar o sujeito em cidadão. por muito que a degradação das condições sociais tenha mobilizado a juventude,  o que esta exige é a modernidade de algo tão antigo quanto uma revolução cidadã. não será sempre assim. mas, de momento, esta é a tarefa, o elo unificador.

segunda constatação: cada processo revolucionário encontra o seu ritmo e organização, na medida em que se confronta com poderes que reagem de forma muito diferenciada. na tunísia, o poder eclipsou-se. no egipto, a estrutura militar continua, apesar de condicionada pelo movimento popular. em marrocos e na jordânia, as monarquias anteciparam reformas, antes que o movimento as tomasse em mãos. na síria, pelo contrário, o regime hesita entre liberalização e repressão, enquanto na líbia, no iémen e no bahrein, os ditadores optaram pela brutalidade. nos dois primeiros casos, a violência fracturou o próprio aparelho militar e quebrou as alianças tribais pré-existentes.

a ‘revolução por contágio’ terá avanços e recuos, mas acabará por ir encontrando praças instáveis de compromisso, diferentes de país para país.

estes equilíbrios não serão apenas o resultado do choque entre sublevação e poder, mas também o reflexo das contradições no interior do campo revolucionário, determinadas pelo modo como nele intervêm os contextos tribais, confessionais e as influências externas.

terceira constatação: até ao momento, as forças internas ao mundo árabe têm sido determinantes. contudo, a intervenção militar na líbia abala a tendência.

as potências de ocidente, apanhadas desprevenidas, manobram sabendo que o triunfo da democracia e da liberdade de expressão lhes dificulta a dominação.

nuns casos, nadam sobre os acontecimentos, noutros parecem alhear-se, fechando mesmo os olhos a uma ocupação (no bahrein), e na líbia decidiram intervir militarmente, superando rapidamente o próprio mandato em que a ‘no fly zone’ se fundou. não, não é de ocidente que vêm as novidades: por aqui, o prato de resistência continua a ser o trivial dois pesos e duas medidas.