Constituição e Resultados Eleitorais

1. Muitos são os defeitos de que padece a nossa Constituição, com dificuldade de se adaptar à realidade de hoje, em que avulta um poder público mais partilhado, internacionalizado e mediatizado.

Numa coisa, porém, ninguém duvida da bondade da solução constitucional: de determinar, no seu art. 187º, nº 1, que “O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”.

2. Julgo que o essencial da sabedoria do articulado constitucional reside na recusa da rigidez de uma solução automática em que o Primeiro-Ministro fosse – sempre e necessariamente – apresentado pelo partido político mais votado nas eleições legislativas.

Não só tal automatismo não está escrito na Constituição como noutras latitudes constitucionais – como sucede hoje em Timor-Leste – há casos em que o Governo é designado não incluindo personalidades do partido político mais votado.

Se esse automatismo existisse, isso significaria uma excessiva personalização do Governo na figura do Primeiro-Ministro e uma drástica redução da operacionalização de diferentes soluções governativas, objectivo tanto mais importante quanto é certo sabermos que se vai tornando cada vez mais árdua a formação de maiorias absolutas de um só partido, num quadro de fragmentação parlamentar crescente.

3. O critério substancial dos “resultados eleitorais” implica que a escolha do Primeiro-Ministro e, consequentemente, do Governo seja feita a partir de uma leitura global da força eleitoral dos partidos que se disponham a oferecer uma solução governativa que, aos olhos do Presidente da República, mereça aceitação e credibilidade política.

O Chefe de Estado tem aqui uma apreciável margem de decisão na nomeação de um Governo que, do seu ponto de vista, não apenas se enquadre nos resultados eleitorais que sejam vitoriosos como, simultaneamente, demonstre elevada probabilidade de alcançar um apoio parlamentar maioritário.

Note-se neste “grande pormenor”: o texto constitucional não fala em “vitória eleitoral”, nem muito menos “em partido que ganhe as eleições”, mas simplesmente em “resultados eleitorais”, o que não deixa de ser significativo…

4. Também não é por acaso que a Constituição exige a auscultação dos partidos representados no Parlamento.

Porquê? Porque a nomeação de um Governo tem de ser decidida com base num juízo de prognose a respeito da estabilidade futura de uma solução governativa, o que em muito excede os estreitos limites de uma simples solução de vitória eleitoral de um único partido político.

Nem sequer é obrigatória uma qualquer experiência-piloto de o Presidente da República, primeiro, indigitar a personalidade indicada pelo partido mais votado, para ver se funciona.

Se for percetível que essa solução fracassará, deve logo o Presidente da República avançar com a formação de um Governo que garante um apoio parlamentar maioritário, estando no seu absoluto direito exigir essa condição política, no quadro dos poderes de que desfruta no nosso semipresidencialismo.

Jorge Bacelar Gouveia
Professor Catedrático de Direito